George contra bush

George Clooney poderá ser conhecido como o actor arguto, amante da diversão, que levou o seu charme a filmes como "Ocean"s 11", "Ocean"s 12". Mas há outro homem. Aquele que uma revista americana pró-Bush chamou de "traidor" por Clooney ter dito numa entrevista que algumas questões deviam ter sido feitas ao presidente norte-americano sobre a razão por que tinha mandado 150 mil homens para o Iraque; aquele homem em relação ao qual a direita americana apela ao boicote dos filmes.

É o George, George contra Bush, de que falamos: aos 44 anos, está a fazer uso da sua influência para contar histórias políticas, definindo-se como um realizador ao estilo de Robert Redford ou Warren Beatty, nos anos 70, e como um actor consciente, à semelhança de Tim Robbins e Sean Penn, nos dias de hoje. Felizmente, o que o destaca também é o seu sentido de humor.

"Sempre me envolvi politicamente, socialmente", diz ao Y. "Cresci no mundo das notícias. Os meus pais estiveram tanto no jornalismo como na política durante toda a minha vida, e isso fez sempre parte de mim. Desde pequeno que fui ensinado a ler jornais, em vez de passar o tempo a ver televisão. O meu pai não podia pagar a uma "babysitter", por isso a estação local tornou-se a minha "babysitter"".

As incursões na realização de Clooney têm sido odes ao pai, o reformado "pivot" televisivo Nick Clooney. "Confessions of a Dangerous Mind" (2002) remetia para o passado, quando George via o pai fazer televisão ao vivo, enquanto "Good Night and Good Luck" (2005), filme sobre o "pivot" Edward R. Murrow, lembra o estilo de programas políticos dos quais o pai de Clooney foi um dos pioneiros. Murrow foi o homem que nos anos de 1953-1954 travou uma batalha "no ar", ao vivo, contra o senador Joseph McCarthy e o seu Comité de Actividades Anti-Americanas.

"O meu pai deixou de fazer o noticiário porque a televisão se tornou cada vez menos notícias, e cada vez mais entretenimento", explica Clooney. Fala dos anos 50, fala de hoje: ao fazer um filme sobre o passado, interroga o presente e o papel da imprensa hoje. Mas Clooney está também a pôr todo o seu peso - literalmente - em "Syriana", filme para o qual engordou 13,6 kg para interpretar um agente da CIA, inspirado em Robert Bear, o autor do livro que originou o filme, "The True Story of a Ground Soldier in the CIA"s War on Terrorism". "Goodnight and Good Luck" e "Syriana" transformaram o elegante e sedutor à moda antiga no liberal à moda antiga que está de serviço em Hollywood.

"Syriana" foi produzido pela Section Eight, a companhia que Clooney fundou com Steven Soderbergh, e realizado por Stephen Gaghan, que escreveu o argumento de "Traffic", o filme sobre tráfico de droga, outro "thriller" político da Section Eight. "Syriana" mostra o petróleo como a droga do mundo. Remetendo para os paranóicos "thrillers" dos anos 70, como "A Última Testemunha", de Alan J. Pakula (1974) ou "Os Três Dias do Condor", de Sidney Pollack (1975), centra-se na falta de moralidade da CIA. O barbudo e pesado agente Bob Barnes (Clooney) está prestes a reformar-se quando é enviado numa última missão secreta, em que o objectivo é assassinar o príncipe de um país do Golfo produtor de petróleo - ao qual não é atribuído nome. Depois de uma sequência de acontecimentos estranhos, Bob transforma-se ele próprio no alvo de muitas acusações pela agência sem perceber bem porquê, até que descobre uma conspiração de maiores dimensões que envolve a relação da América com as indústrias do petróleo.

Clooney está irreconhecível.

"Era mesmo isso que queria", diz. "O facto de as pessoas não me reconhecerem é aquilo de que mais me orgulho". Ainda assim, voltar ao terreno de "Três Reis" - de David O"Russell (1999) sobre a guerra do Golfo que protagonizou - com todo aquele peso, não foi boa ideia. Numa cena de tortura, Clooney feriu-se gravemente. "Lesionei a cobertura que envolve a coluna em várias zonas e fiquei com falta de fluido", explica, recordando o seu Dr. Ross, de "Serviço de Urgência". "Não faz doer as costas, mas dá dores de cabeça. É como quando se come gelado depressa - dá dores de cabeça desse género todos os dias. Por isso, tenho sido submetido a várias operações para tentar sarar as falhas. Está tudo ok, tudo bem. É uma chatice, mas está tudo bem".

Mas o que raio estava ele a fazer? "Estava preso a uma secretária, a ser torturado, e estavam a arrancar-me as unhas. Essa é a parte divertida do filme", brinca. É claro que não menciona que era ele próprio que estava a fazer as cenas perigosas, o que envolvia ser atirado pela sala durante mais de 20 "takes", nem que nessa altura estava em baixo de forma devido ao peso. As lesões não o deitaram abaixo, nem o afastaram das suas vitórias. ""Good Night, and Good Luck" está a render dinheiro", admite, atónito. "Estou entusiasmado pelo facto de o filme se ter tornado motivo de discussão, é divertido fazer parte das notícias. É o mesmo com "Syriana". Está a receber boas críticas e estou a saborear os debates, porque para mim o que importa são as polémicas".

No seu papel da vida real de liberal de Hollywood, tem sido crítico em relação a Bush, à invasão do Iraque e à resposta do país aos ataques do 11 de Setembro. Tornou-se um alvo fácil para os comentários de Bill O"Reilly, o conservador "pivot" do canal por cabo Fox, que caluniou o programa de angariação de fundos para as vítimas do 11 de Setembro que Clooney ajudou a organizar. "Enfrentaria Bill O"Reilly em qualquer programa", diz o actor, língua afiada e sem medo. Ao mesmo tempo que responde à letra, não se importa de ser gozado pelas considerações de Trey Parker e Matt Stone, os realizadores de "South Park", que parodiaram activistas famosos - conseguiram com isso despertar a ira de Sean Penn - no filme "Team América".

"Sou um miúdo grande", admite Clooney. "Se vou levantar polémicas - como, por exemplo, a ideia de que talvez seja melhor fazermos mais perguntas antes de começarmos uma guerra - tenho de esperar esse tipo de coisas. Por isso, mesmo que apareça na capa de uma revista e me chamem de traidor, tenho de aguentar. Se desfrutamos do direito à liberdade de expressão, o que temos todo o direito de fazer, não podemos pedir que não digam coisas más sobre nós. Temos de aguentar com as reacções. É justo". Clooney diz que não quer ser reconhecido por assumir uma posição. Homens como Murrow e o seu pai é que eram corajosos e lutaram pelas liberdades individuais numa altura perigosa, diz ele.

"O meu pai andou atrás de [presidentes] Jimmy Carter e Gerald Ford. Era esse o seu trabalho. Ele acreditava que os governos que não eram investigados ou interrogados eram corruptos. Provámos que isso é verdade durante muito tempo, e não é pouco patriota fazer essas perguntas".

Quando Clooney sénior concorreu para um lugar no congresso em 2004, o seu filho famoso manteve a distância. Limitou-se a angariar fundos para a campanha. Apesar de ser um democrata empenhado, George nunca irá concorrer para um posto político. "Meu Deus, não, não! Já fiz demasiadas coisas mal na minha vida. Teria literalmente de usar o slogan: "Sim, eu fiz isso". "E não estavas com...?" "Sim, acho que estava", coisas do género".

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