Tsunami: um dia impossível de esquecer

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As famílias das vítimas regressaram ao sudeste asiático para recordar o que aconteceu há um ano How Hwee Young/EPA

Começou cedo, no mar, a 30 quilómetros de profundidade. Um reajuste de placas tectónicas provocou um dos sismos mais potentes do século. Seguiu-se um maremoto arrasador, afectando mais de uma dezena de países do Sudoeste Asiático e até de África. Quase 230 mil pessoas morreram ou desapareceram, mas até hoje, um ano depois, não há uma contagem final. A reconstrução está a avançar, mas ainda há muito para fazer. O dia 26 de Dezembro de 2004 ficará para sempre na memória da humanidade

Um rearranjo de massas descomunais

Faltava um minuto para as oito da manhã. No fundo do oceano, a 160 quilómetros da ilha de Sumatra, e a 225 da cidade de Banda Aceh, a crosta terrestre reacomodou-se. Duas das placas tectónicas sobre as quais está o oceano Índico arranharam-se, a 30 mil metros abaixo do nível do mar.

Uma delas, a da Índia, normalmente mergulha cinco a seis centímetros por ano sob a outra, a da Birmânia. O movimento vai acumulando tensões na zona de contacto entre as duas. Até que, um dia, desprendem-se à procura de um novo equilíbrio.

Foi o que aconteceu naquele 26 de Dezembro. Em minutos, houve um movimento de 15 a 20 metros entre as duas placas - o que, ao ritmo normal, levaria mais de dois séculos. Não foi uma mera arranhadela, mas um rearranjo de massas incomensuráveis, numa faixa de 1200 quilómetros de extensão e pelo menos 100 de largura, libertando uma quantidade brutal de energia.

Estava produzido um dos maiores terramotos do século. Tão grande foi o sismo que, meses mais tarde, ainda havia diferentes estimativas sobre a sua intensidade. O Serviço de Investigação Geológica dos Estados Unidos coloca-o em terceiro lugar, na lista dos piores desde 1900, com magnitude 9,0.

Ondas gigantescas em vários países

O movimento das placas tectónicas deformou o leito do oceano, elevando-o em vários metros em alguns pontos e empurrando a coluna de água para cima. À superfície, formou-se uma longa bossa no mar, que se irradiou em ondas concêntricas para os lados, no sentido do eixo leste-oeste.

A partir daí, começou-se a desenrolar a pior parte da tragédia. Como acontece na origem de um maremoto, as ondas eram a princípio pequenas, mas tão velozes quanto um avião a jacto. À medida que se aproximavam de terra firme, sofriam uma metamorfose energética. Perdiam velocidade, mas ganhavam altura.

Nos primeiros trinta minutos, o tsunami já estava a bater à costa da província de Aceh, no Norte de Sumatra, na forma de uma vaga com até 20 metros de altura, trazendo uma massa devastadora de água por trás. Em duas horas, o tsunami atingia, com ondas de até 13 metros, a costa oriental do Sri Lanka e estâncias turísticas da Tailândia. Pouco tempo depois, chegava à Índia. Imparável, o maremoto atravessou o oceano Índico e foi bater à Somália, Quénia e Tanzânia sete horas depois. O tsunami atingiu em força mais de uma dezena de países, mas em nenhum deles a população estava avisada do perigo que ali vinha.

Rasto de lama, destroços e cadáveres

O maremoto chegou à costa com uma força arrasadora. Não eram apenas grandes ondas que arrebentavam na praia, mas sim espessas lâminas de água, de vários metros de altura, com uma massa brutal, que avançavam sem parar sobre terra firme.

Imagens captadas por dezenas de vídeos amadores mostraram a fúria do tsunami. Construções, carros, árvores, embarcações, pessoas, tudo foi arrastado pela água com a facilidade de quem empurra brinquedos de plástico.

Já sacudidas violentamente pelo sismo, grande parte das cidades de Banda Aceh e Meulaboh acabaram por ser aniquiladas pelo maremoto. Por momentos, quase todo o arquipélago das Maldivas desapareceu do mapa, submerso pelas ondas. No Sri Lanka, a água carregou comboios inteiros, deixando para trás carris retorcidos.

Na Indonésia, Índia e Sri Lanka, mais de 350 mil casas foram destruídas. Às centenas, escolas, unidades de saúde e hotéis foram transformados em montes de entulho. Enormes áreas agrícolas ficaram salinizadas, inviáveis para culturas. Perderam-se milhares de barcos. Quando a água regrediu, deixou um rasto de lama, destroços e cadáveres.

Quase 230 mil, sem contas definitivas

No primeiro dia, falava-se já em 12 mil mortos. Mas era só o começo. No dia seguinte, 23 mil cadáveres tinham sido recolhidos. No terceiro, eram 60 mil; no quarto, 80 mil; no quinto, 120 mil.

A conta continuou a subir e até hoje não se sabe, com exactidão, qual é o saldo final. A base de dados de desastres naturais da Universidade de Lovaina, na Bélgica, soma 226.408 mortos. Quase três quartos morreram na Indonésia (165.708), a maior parte na província de Aceh. No Sri Lanka, houve 35 mil, na Índia, 16 mil e na Tailândia, oito mil. O país com mais vítimas mortais a seguir foi a Somália (298), apesar de o tsunami ter ali chegado depois de várias horas.

Estes números incluem muitos milhares de desaparecidos que, sugados pelo mar quando se retraiu, nunca foram encontrados. Os relatos, que se multiplicariam durante semanas, descreviam cadáveres na copas das árvores ou mutilados no meio de escombros. As imagens corroboraram a tragédia, mostrando corpos inchados espalhados nas praias, embrulhados em sacos plásticos ou enterrados em valas comuns.

Um dado unânime emergia das reportagens produzidas nos dias imediatos ao tsunami: o cheiro insuportável da morte, dos corpos alinhados na rua, a decomporem-se ao calor e à humidade.

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