Mulheres à beira de um ataque de nervos

Curtis Hanson revela sempre uma interessante relação com os géneros do passado: "A Mão Que Embala o Berço" (1992) revisitava o "suspense" num "thriller" inteligente e de fôlego, fazendo de Rebecca de Mornay um ícone moderno da "mulher fatal"; "L.A. Confidential" (1997) reformulava o "film noir" com a perfeita noção da funcionalidade possível do "pastiche"; "Wonder Boys" (2000) encaixava a acção numa sedutora visão da autoreferencialidade no espectáculo cinematográfico; "8 Mile" aplicava uma forte energia fílmica à hipótese de repensar o musical em termos modernos, usando o "rap" como pretexto e motivo desencadeador da ficção.

"Na Sua Pele" (o título original, "In Her Shoes" liga-se ao fetichismo dos sapatos e à sua função simbólica na narrativa) tem como projecto "atacar" o melodrama, regressar ao "Women"s Picture" de grande tradição no cinema clássico americano. O argumento parte de lugares comuns do género: duas irmãs diferentes disputam-se pelo facto de uma delas (a "desajeitada" Toni Colette) se inscrever no paradigma do sucesso profissional, enquanto a outra (a "decorativa" Cameron Diaz) assumir uma marginalidade não produtiva, intrometendo-se nos romances da irmã do mesmo modo que veste as suas roupas (a sua pele do título português?) e calça a sua imensa colecção de sapatos. A reconciliação opera-se no reencontro com a avó "perdida" (fabulosa Shirley MacLaine, de uma contenção feroz e de uma versatilidade exposta), em tom de comédia sentimental, complementar ao melodrama de uma família desfeita pela doença e morte da mãe das duas irmãs, vitimada por perturbações mentais e pela desadequação ao mundo complexo da maternidade.

E é aqui, nesta mistura de registos, jogando com o lacrimejante e com os "gags" reveladores da preponderância do sentimento, que "Na Sua Pele" falha: Hanson foge do excesso que fazia falta ao cerne do conflito; não há "pathos", apenas uma ligeireza incómoda no tratamento das personagens; o final feliz concilia o que nunca se apresentara como ruptura e descontinuidade.

Claro que Shirley MacLaine, brilhante comparsa do melodramático, afrontado na sua essência, desde "Deus Sabe Quanto Amei" (1958), até "Flores de Aço" (1989), passando por "Laços de Ternura" (1983), mesmo em surdina, entendeu o que estava em jogo e construiu a sua personagem, que aliás rima com a do último filme citado (ainda que agora em controlado "underacting"), com uma intenção e uma intensidade correctas. Tudo o resto se encaminha para a desdramatização, para uma neutralidade desinteressante e frouxa. O casamento final repete lugares-comuns, sem nunca se aperceber das possibilidades latentes numa história de mulheres à beira de uma ataque de nervos.

Só que falta nervo na realização correcta do sólido Curtis Hanson. A exploração excessiva da comunidade de velhos reformados da Florida retira consistência à "sentimentalidade" essencial. Apenas a personagem do velho professor, com o uso judicioso do poema de Elizabeth Bishop, "The Art of Losing", poderia inverter este branqueamento do melodramatismo desaproveitado. Mas nem mesmo a sua morte e o vazio espelhado no caixote de livros abandonados funciona: o olhar sobre a morte e a perda esbarra no mesmo tom casual, na mesma indistinta vontade de não actuar sobre a carga emocional do género invocado. A "modéstia" de Hanson desperdiça um razoável material de base, mostrando que o cinema americano contemporâneo tem medo do risco e da tensão.

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