Mulher procura homem com coração sem malícia

Dizer que uma comédia romântica é "previsível" é algo pleonástico: ainda antes do filme começar já toda a gente sabe que "eles" vão ficar juntos, depois de peripécias, encontros e desencontros, e tal e tal.

A comédia romântica é uma arte do "adiamento", nenhum género como este vive do constante protelar do inevitável. Sabiam-no bem os cultores clássicos do género, gente como McCarey, Hawks, La Cava, génios da "complicação", exímios a criar imbróglios sobre imbróglios - o importante não era o "fim", mas a maneira sinuosa como lá se chegava.

Tempos mais simples estes, e não há como a comédia romântica contemporânea para se encontrar um cinema descolorado e sem picante nenhum. O filme de Gary David Goldberg (que tem carreira sobretudo na televisão, como produtor e argumentista nalgumas séries de nomeada) exaspera pela ingenuidade (verdadeira ou simulada, pouco importa), age como se os seus códigos - mais que vistos e revistos - estivessem a ser utilizados pela primeira vez, como se afinal o desfecho alguma vez estivesse em causa. E, pior, troca a malícia pelo sentimentalismo, como se vê na maneira empolada como resolve o final. É claro que isto é um bocado a norma do que tem sido a "comédia romântica" dos últimos anos, e é nesse sentido que, aqui sim, faz sentido dizer que "Mulher com Cão..." é prevísivel (pois se até começa com casais a contarem à câmara o seu primeiro encontro, que é o maior cliché contemporâneo do género...).

Posto isto, digamos que esta é a história de dois recém-divorciados (Diane Lane e John Cusack) e dos caminhos que os levam a encontrarem-se, a perderem-se, e a voltarem a encontrar-se. Caminhos que passam, curiosamente, quase só pela Net - o filme de Goldberg podia ser um "spot" para "sites" de encontros na Net, tal é a profusão com que eles são mostrados e usados (e sendo que o pressuposto do filme é o de que hoje é "difícil" encontrar pessoas). O título do filme vem daí: "Must Love Dogs" (título original) é o requisito pedido aos homens que respondam ao anúncio colocado pela personagem de Diane Lane na Net. A partir daí e até ao desenlace são quiproquós e adiamentos, tiradas semi-filosóficas de familiares e amigos (muita reflexão sobre o "amor" e o "romance", e etc), com pouco brilho e nenhuma inventiva. Nem falta, como é da praxe, um "filme clássico" para ser citado e re-citado: neste caso é o "Dr Jivago" (assim como em "Sleepless in Seattle", de Nora Ephron, era o "An Affair to Remember" de McCarey, escolha mais feliz).

Também é claro que é impossível antipatizar com gente como John Cusack e a sempre resplandecente Diane Lane, coadjuvados pelo veterano Christopher Plummer, pela grande secundária que é Stockard Channing, pela espevitada Elizabeth Perkins ou pelo cinzento Dermot Mulroney. Mas nem isso obsta a que o filme de Goldberg acabe por ser entretenimento tão "light" que nem é seguro que chegue a entreter.

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