Gengibre e canela a anti-virgem

Daniele Luchetti (nascido em 1960) foi um realizador que justificou algumas expectativas por volta da passagem dos anos 80 para os 90, quando (muito à boleia de Nanni Moretti, é verdade) se tentou encontrar um "renascimento" do cinema italiano escorado numa ideia de "geração". Títulos como "Domani Accadrá" (1988) e "Il Portaborse" (1991), que por cá foram vistos na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, num ciclo que fazia apelo, justamente, a uma "nova geração" do cinema italiano, parecem ter acabado por não encontrar sequência à altura. Certo é que, ao longo de toda a década de 90, poucas (ou nenhumas) ocasiões houve para trazer o nome de Luchetti à berlinda.

Reencontramo-lo agora, num filme de 2003 ("Dillo con Parole Mie", no original), e francamente é um choque. "Gengibre e Canela" é uma comediazinha estival duma banalidade a toda a prova, anódina quanto baste, num estilo tão domesticado que o espectador até se esquece que é um filme oriundo do país da "comédia à italiana", género que deu ao cinema europeu as mais venenosas comédias da sua história.

É verdade que os tempos são outros (até em Itália), e o pecado já não impressiona tanto (assim se desarmadilharam os Risis e os Monicellis, os Totòs, os Sordis e os Tognazzis). O que antes era "pecado" agora é objecto de racionalização - é pelo menos a constatação que parece estar base de "Gengibre e Canela", filme filosófico (de algibeira) sobre o desejo de iniciação sexual de uma adolescente.

Uma mulher, trintona que acaba de se separar do namorado com quem vivia há oito anos, acompanha a sobrinha de 14 anos (faz 15 durante o filme) numas férias de Verão numa ilha grega (Ios, dita "a ilha do amor"), que está apinhada de adolescentes (e "adolescentas") obcecados com bebedeiras e engates. A rapariga insiste que está na altura de fazer a iniciação sexual (vulgo perder a virgindade), a tia, que tem a ressaca de uma separação a fazer, serve-lhe de conselheira, entre o "liberal" (com esforço) e o estarrecido (com naturalidade). Depois há complicações e coincidências, que não vale a pena deslindar.

Não se passa muito disto, de facto, entre muita discussão sobre "sexo" e "amor" (algumas tiradas são felizes, outras nem por isso), mais os inevitáveis quiproquós e confusões que se vão gerando. Espécie de paródia paternalista sobre a adolescência contemporânea, "Gengibre e Canela" vive dos diálogos e da maneira como as personagens teorizam os seus comportamentos e as suas expectativas (assim como, vá lá, uma versão muito "light" e simplória de um filme de Rohmer). Às vezes tem graça, a maior parte do tempo perde a aposta (que seria, supomos, mergulhar na "ligeireza" sem ser "ligeiro"). Acaba em "lição de vida", só parcialmente recuperável pela evidente ironia. Antes disso ainda há um pequeno número musical (Luchetti disse ter-se inspirado em Bollywood) com uma cançoneta italiana de Verão (irresistivelmente pateta), que sendo o momento mais disparatado do filme é também o mais surpreendente. Contradições, quem as não tem?

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