Temporada de patos zero em comportamento

"Temporada de Patos", do mexicano Fernando Eimbcke, é um curioso filme "de situação". Num prédio de apartamentos algures nos arredores suburbanos de uma grande cidade mexicana, dois amigos adolescentes ficam sozinhos em casa durante um domingo inteiro. A eles junta-se mais tarde uma vizinha, também adolescente, que quer fazer um bolo mas tem o forno de casa avariado. Depois, chega um distribuidor de pizzas que por lá se instala após uma teima com os dois miúdos (que não querem pagar a pizza alegando que o distribuidor chegou uns segundos depois da hora prometida). É praticamente só com isto que Eimbcke compõe a sua "situação": quatro personagens, um apartamento, e uns tantos adereços - o mais notório dos quais um quadro com patos pendurado na parede.

Nada de muito angustiante, o apartamento está longe de ser um "huis clos", e com o desenrolar do filme até se desenha como lugar caloroso e acolhedor. "Temporada de Patos" é um filme sobre aquilo que em inglês se chama "bonding" e em português se pode traduzir por "criação de laços afectivos". Todas aquelas personagens têm alguma perda a lamentar, seja o divórcio dos pais ou o alheamento da família, e esta tarde de convivência funciona como descoberta de uma compensação. O centro do filme é esse - e tem o seu apogeu na verdadeira experiência de comunhão que se segue à ingestão dos bolinhos de marijuana feitos pela miúda. É a costela vagamente libertária do filme de Eimbcke, espécie de revolta contra os adultos que podia ter um ascendente longínquo (em todos os sentidos) no "Zero em Comportamento" de Vigo: na melhor cena do filme, o miúdo dono da casa e o outro divertem-se a disparar sobre os objectos cujas posse e partilha estão na base das discussões dos pais em divórcio.

Eimbcke filma tudo isto com elegância, e exibe um sentido do enquadramento nada despiciendo (pena o preto e branco ser um daqueles preto e brancos "a fingir", parecido com o que se obtém quando se tira a cor à imagem de um televisor). Praticamente só há planos fixos e bastante sóbrios, mas o ritmo de montagem expele qualquer impressão de austeridade - o que até acaba por ser um problema: "Temporada de Patos" acolhe o espectador como mais um naquele apartamento, conquista-lhe a cumplicidade mas depois limita-se a deixá-lo lá estar, não lhe põe problemas nem o desafia (o que de certa maneira é um excesso de amabilidade). Há cenas muito bem conseguidas (um desafio de futebol numa consola para decidir se a pizza vai ser paga ou não), alguns apartes e piscadelas de olhos inesperados (a capa de um disco dos Beatles recriada num plano), mudanças de tom surpreendentes (um flash-back num canil, onde dantes trabalhava o entregador de pizzas).

Para o bem e para o mal o adjectivo "simpático" assenta que nem uma luva a filmes assim. "Temporada de Patos" tem o charme dum improvável encontro entre "O Anjo Exterminador" e "O Verão Azul". O que, sendo um exagero, também é simpático.

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