Corte de sobreiros em Benavente tem longa história

O projecto Portucale, em Benavente, tem uma longa história, que se arrasta há mais de uma década. Envolve a construção de um empreendimento turístico em terrenos que eram públicos mas passaram, em 1993, para o domínio privado - para o Grupo Espírito Santo - em condições que a Inspecção-Geral de Finanças considerou desfavoráveis para o património da Companhia das Lezírias, que os detinha.

Para implantar o empreendimento, que incluía moradias, hotéis, campo de golfe, centro hípico, barragem e campo de tiro, era preciso cortar uma quantidade significativa de sobreiros, árvore protegida por lei (decreto-lei 169/2000) e que só pode ser abatida em circunstâncias excepcionais. O empreendimento foi iniciado, mas esbarrou na falta de autorização para o corte das árvores.

Em 1995, nos derradeiros dias do último Governo de Cavaco Silva, o ex-ministro da Agricultura, Duarte Silva, deu luz verde para o abate. Poucos meses depois, com o Governo PS já empossado, esta autorização foi revogada pelo novo titular da pasta da Agricultura, Gomes da Silva, quando uma parte dos sobreiros já havia sido cortada. Para que o abate fosse autorizado, seria necessário declarar a "imprescindível utilidade pública" do empreendimento Portucale, que é privado. E foi isso que aconteceu no dia 16 de Fevereiro passado, através de um despacho do anterior Governo, assinado a quatro dias das eleições antecipadas.

Subscrito pelos então ministros da Agricultura, Costa Neves, do Ambiente, Luís Nobre Guedes, e do Turismo, Telmo Correia, o despacho deu luz verde para a autorização do abate de 2600 sobreiros, parte dos quais foi imediamente deitada abaixo (774 árvores adultas e 180 jovens).

Mas o actual Governo acabou por revogar tanto a autorização para o corte, quanto a declaração de utilidade pública do empreendimento, alegando falta de fundamentação e deficiências processuais.

Negócio desfavorável para os interesses do Estado

Além das estranhas tentativas para aprovação do empreendimento da Portucale, sempre nos últimos dias de governo, também a forma como a propriedade dos terrenos passou do Estado para a esfera do Grupo Espírito Santo não terá sido a mais transparente. A herdade da Vargem Fresca, no Infantado, Benavente, pertencia à Companhia das Lezírias, que no início do processo aparecia como accionista da Portucale. Em 1993, os terrenos foram para a posse exclusiva de privados, um negócio revelado pelo PÚBLICO em primeira mão, cujos contornos foram depois averiguados pela Inspecção-Geral de Finanças, que o considerou "desfavorável para os interesses e património da Companhia das Lezírias".

Abel Pinheiro constituído arguido num processo de tráfico de influências

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Abel Pinheiro (na foto) foi constituído arguido, tal como o ex-ministro Luís Nobre Guedes Daniel Rocha/PÚBLICO(arquivo)

O ex-dirigente do CDS-PP Abel Pinheiro foi constituído arguido num processo de tráfico de influências, no final de um interrogatório de mais de sete horas, saindo já de madrugada sob caução. O ex-ministro do Ambiente Luís Nobre Guedes foi constituído arguido ontem no âmbito do mesmo processo.

O ex-responsável do CDS-PP começou a ser interrogado por volta das 19h00 de ontem no Tribunal Central de Instrução Criminal da Boa Hora, em Lisboa, tendo saído às 02h15 de hoje, mediante o pagamento de uma caução que um dos seus advogados, José António Barreiros, se escusou a quantificar.

Luís Nobre Guedes e Abel Pinheiro foram constituídos arguidos por tráfico de influência, no âmbito de investigações em curso sobre os meandros da aprovação de um empreendimento turístico, em Benavente, pertencente à Portucale, uma empresa do grupo Espírito Santo.

O interrogatório iniciou-se ontem ao fim da tarde e o empresário Abel Pinheiro, responsável pelo pelouro das finanças do CDS-PP liderado por Paulo Portas, terá sido confrontado com factos apurados pelas investigações. Estes indícios e as escutas realizadas no âmbito deste inquérito terão sido o tema do interrogatório do juiz de instrução Carlos Alexandre.

A causa próxima deste processo remonta a quatro dias antes das eleições de 20 de Fevereiro, quando três ministros do Governo PSD-CDS, Luís Nobre Guedes, Telmo Correia (também do CDS/PP e que tutelava no executivo de Santana Lopes a pasta do Turismo) e Costa Neves, militante do PSD e ministro da Agricultura, proferiram um despacho conjunto viabilizando o polémico empreendimento. A decisão foi congelada pelo Governo de Sócrates, mas ainda permitiu o corte de várias dezenas de sobreiros (ver texto em baixo). O caso do investimento da Portucale em Benavente não será o único acto praticado na fase final do governo liderado por Santana Lopes actualmente sob investigação criminal.

Problema ambiental e caso de polícia

O que inicialmente parecia um problema ambiental parece ter-se transformado num caso de polícia e, durante o dia de ontem, o juiz de instrução Carlos Alexandre e um magistrado do Ministério Público, bem como investigadores da DCICCEF (Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira) da Polícia Judiciária, efectuaram buscas em cinco locais. As diligências visaram o escritório da empresa de advocacia de Nobre Guedes, o gabinete de Abel Pinheiro e ainda três instalações do Grupo Espírito Santo.

Além da recolha de variada documentação, ligada a actividades empresariais e a movimentações bancárias, e da detenção de Abel Pinheiro, as autoridades constituíram arguidos o ex-ministro do Ambiente Nobre Guedes e três quadros do grupo Espírito Santo.

Também os ex-ministros do Turismo e da Agricultura, Telmo Correia e Costa Neves, respectivamente, deverão ser chamados a esclarecer as motivações por que assinaram o despacho conjunto que viabilizou o projecto da Portucale. Ambos gozam de imunidade parlamentar e o juiz de instrução deverá remeter em breve para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, no caso de Costa Neves, os pedidos de levantamento da respectiva imunidade parlamentar.

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