Controlo o médico e o monstro

Filme discreto e assumidamente menor, "Controlo" tem ainda assim algumas das virtudes que se podiam encontrar, por exemplo, na "série B" clássica. É seco, duro, sem grande espalhafato ornamental, capaz de conduzir a sua narrativa em linha recta sem desvios de monta nem dissipação desnecessária de energia. Também consegue ser pessimista de maneira pouco ou nada almofadada, e tintar o moralismo com uma coloração que lhe destaca o sentido mais trágico - o "destino", nessa perspectiva, é um protagonista importante.

Se o filme tem um rumo pessimista, o seu ponto de partida narrativo é, no entanto, ancorado numa hipótese altamente optimista. Uma hipótese que corresponde a uma crença provavelmente bastante "moderna": a que acredita na possibilidade de "reformar" o carácter ou a natureza de um ser humano por intermédio de medicamentação específica. A história de "Controlo" começa quando um laboratório farmacêutico inicia os testes a uma nova droga, teoricamente capaz não apenas de reduzir os níveis de agressividade e irritação do paciente mas também de lhe espicaçar a capacidade emocional para se "comover" ou, por exemplo, para sentir remorsos. Uma droga assim, acreditam os seus criadores, mudaria a face da Terra, faria dos seres humanos criaturas incapazes de praticar o mal, ou mesmo criaturas especialmente vocacionadas para a prática do bem. Para testar o medicamento, nada melhor do que um "case study": um criminoso empedernido, salvo "in extremis" da execução em troca de se submeter ao papel de "cobaia" da nova droga.

O "monstro" é Ray Liotta (provavelmente no seu melhor papel desde "Tudo Bons Rapazes", de Scorsese), o médico que conduz a experiência é Willem Dafoe. Ambas as personagens são bastante inquietantes e movediças. Explicitar-se-á, lá mais para o fim do filme, a motivação pessoal, quase "catártica", da missão de Dafoe, e em que medida o sucesso do medicamento representaria para ele um apaziguamento. Por outro lado, ninguém sabe, durante bastante tempo, da genuinidade da transformação de Liotta: a coisa está a funcionar ou trata-se apenas de alguém que percebeu que um pouco de representação lhe permitiria safar-se?

Mas o centro é sempre a relação entre Liotta e Dafoe. A pouco e pouco, transformam-se em "criatura" e "criador", quer dizer, uma relação quase de pai e filho. E será em nome dessa relação que a própria lealdade de Dafoe para com o laboratório em que trabalha (o patrão, Stephen Rea, é sempre um vulto) entra em abalo - mas afinal de contas Dafoe trabalhava sobretudo para si próprio e para a sua própria paz. Independentemente dos modos de filme de acção (aliás, bastante competente) em que se processa o último terço do filme, a verdadeira questão é um pouco mais funda: "Controlo" está, por essa, altura transformado na história de um cientista que criou um homem a partir dum monstro. Um pouco como em "Frankenstein", na verdade, que é aliás o melhor paralelo para a personagem de Liotta. E como em "Frankenstein" serão as aparências, não o que se é mas o que os outros vêem, a ter a última palavra. É a derradeira observação de "Control" sobre a natureza humana, e a mais pessimista de todas.

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