Eros Terapia: Belos de dia

Danièle Dubroux, ex-crítica da revista "Cahiers du Cinéma", tornou-se uma realizadora rara e peculiar. Em Portugal estreou-se, já lá vão quase dez anos, "O Diário de um Sedutor", filme de inspiração kierkegaardiana que se mantém como o mais visível cartão de visita do cinema de Dubroux, com o seu sentido de humor original e desconcertante. "Eros Terapia" é apenas o seu segundo filme depois desse (mas a carreira de Dubroux começou em 1976), tendo a distribuição portuguesa saltado por cima de "L"Examen de Minuit", filme de 1998 que ficou por estrear, como ficou por estrear um filme anterior, que a Cinemateca Portuguesa exibiu, "Border Line", de 1992. "Eros Terapia", de resto, teve problemas para estrear em França, passando dois anos nas prateleiras até ser distribuido em 2004, com o título alterado - chamava-se originalmente "Je Suis Votre Homme".<p/>

Tentemos chegar a uma sinopse de "Eros Terapia", filme de um humor, por assim dizer, "dessacralizante". Um casal à beira da meia-idade separa-se porque a mulher (Catherine Frot) se apaixonou por outra mulher (Isabelle Carré), que vai viver lá para casa enquanto o marido (François Bérleand) se remete à garagem. Por um acaso qualquer, o marido - que se chama Adam, sinal da divertida "crise de masculinidade" encenada pelo filme - trava conhecimento com um jovem (Melvil Poupaud), funcionário de um misto entre bordel e consultório de psicoterapia, que fica revoltado com a sua história e decide vingá-lo, propondo-se seduzir a mulher por quem a mulher de Adam o trocou.

Com muita ironia, são portanto a "crise da conjugalidade" e a "crise da masculinidade" que "Eros Terapia" toma como matéria, "desordem" que é preciso voltar a fazer entrar nos eixos. E no fim entra mesmo tudo nos eixos, de maneira pouco ortodoxa (ou completamente ortodoxa, o espectador que decida), depois de inúmeras peripécias que não vale a pena explicar. Dir-se-ia, disto tudo, que estávamos perante qualquer coisa parecida com uma "screwball comedy" - é no fundo, a "guerra dos sexos" que está em causa. Mas uma "screwball" desacelerada, "intelectualizada", onde nem por um segundo se deixa de exibir uma profunda auto-consciência (às vezes também uma certa auto-indulgência, é verdade). O cocktail, feitas as contas, é bastante divertido, entre a paródia sexual - com fortíssimos ecos de "Belle de Jour", de Buñuel, que se diria expressamente citado nas cenas do "bordel psicoterapeuta" - e a paródia aos críticos de cinema: a rapariga que "desviou" a mulher de Adam é crítica de cinema com uma fixação em Cronenberg (et pour cause), abundamente citado e utilizado para alguns dos melhores gags do filme (e isto para além de uma cena na redacção da revista onde ela trabalha, quando um crítico descreve, extasiado, um "longo plano fixo de um anus que a certa altura se torna abstracto").

Entre Eros e, claro, Thanatos (assim se denominam os dois "capítulos" do filme), a viagem é, para a resumir num adjectivo, desconcertante. Tem um irresistível capital de simpatia nos seus actores, que se comportam - Bérleand e Poupaud, sobretudo - como se não soubessem que estavam numa comédia, o que é a melhor maneira de estar numa comédia. Há ainda uma participação especial da "lendária" Emmanuelle Riva, e um velhote (Jacques François) que diz por duas vezes "quelle époque epouvantable" - o mais parecido com uma moral da história, mas ao contrário.

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