Fábula russa

Um filme de animação com produção franco-italiana, que nos chega trazendo no currículo uma passagem pela selecção oficial do festival de Veneza. Mas também a presença no genérico de um nome forte, Tonino Guerra, como autor do argumento. E mesmo um pouco mais do que isso, visto que ele foi o principal mentor do projecto.

O filme de Francis Nielsen adapta uma história original de Guerra. Que, recorde-se, é um dos mais consagrados argumentistas europeus do pós-II Guerra Mundial, tendo colaborado frequentemente com Michelangelo Antonioni (para quem escreveu os argumentos de boa parte dos filmes mais célebres), Federico Fellini ou, mais recentemente, Theo Angelopoulos. Em entrevista, Guerra diz que a ideia de "O Cão, o General e os Pássaros" nasceu depois de numa certa ocasião lhe terem contado uma série de lendas e histórias relacionadas com a cidade de São Petersburgo. Particularmente encantado com um episódio referente à resistência à invasão napoleónica do século XIX, Guerra desenvolveu uma história que viria a servir de base ao filme - mesmo que, contou ele, a história se tenha reduzido ao seu esqueleto, visto que filmada na sua totalidade escrita "daria para um filme de quatro horas".

Eis, portanto, a história de um general russo acossado na velhice pela recordação da falecida mulher, mas sobretudo pelo fantasma dos pássaros a cujas asas pegou fogo para incendiar Moscovo e pôr em fuga as tropas francesas de Napoleão. Com a ajuda de um cão - a que dá o nome de Bonaparte - o general encontrará maneira de aliviar o espírito e morrer em paz, quando todos os cães de São Petersburgo entram numa espécie de protesto activo pela libertação de todos os pássaros mantidos em gaiolas. A ocasião é propícia à redenção do general, que poderá, enfim, voar, tal como os pássaros libertados.

O registo de fábula é evidente e desejado, e o público-alvo será sobretudo o infantil, por mais que as referências históricas lhe sejam estranhas (mas no fundo pouco importam). O conhecido cineasta russo de animação Andrei Khrajanovski serviu de consultor artístico, e era a ele que em princípio estava destinada a realização do projecto, que depois foi parar a França e a Francis Nielsen. A intenção era conferir ao filme uma atmosfera "russa", ou pelo menos a sua sinalização: Nielsen trabalhou a partir de desenhos do ilustrador Sergei Barkhin, e aqui e ali notam-se umas quantas evocações, mormente à pintura de Marc Chagall. O resultado é um filme de charme simples, que se deixa ver com agrado - sobretudo pelos desenhos - mesmo que de vez em quando se note demasiadamente a intenção de "fazer poesia".

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