Relógio do século XV volta hoje a "bater" as horas em Viseu

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O relógio mecânico da Igreja do Convento de S. Francisco de Orgens, em Viseu, considerado uma raridade do século XV, vai voltar a "bater" as horas a partir de domingo, depois de ter sido restaurado. O presidente da Junta de Orgens, Manuel Almeida Pereira, disse à Lusa que o relógio, que funciona através de um mecanismo de rodas dentadas que acciona um pêndulo que bate no sino, "estava desactivado desde os anos 60 e foi restaurado por um artista da freguesia", Romão da Costa Pereira. "Já era este senhor que reparava o relógio quando ele avariava nos anos 50. Já conhecia a máquina e fez o trabalho em poucos meses", contou.

Com a evolução apareceram "relógios mais modernos, automáticos", e aquele que terá sido feito em 1478 por frei João da Comenda para a torre da Igreja do Convento de S. Francisco de Orgens parou após séculos de funcionamento. "Fico muito feliz por ter sido restaurado. É uma obra rara, valiosa, que no passado marcava o tempo às pessoas. O convento fica num alto e era pelo seu relógio que elas se guiavam", contou.

Segundo Fernando Correia de Oliveira, jornalista e historiador da área do tempo, relojoaria e mentalidades, frei João da Comenda terá feito 13 relógios de torre como o de Orgens. Este frade, natural de S. Pedro do Sul, mas que vivia em Orgens, é referenciado como o primeiro relojoeiro português a fazer mecanismos de raiz, graças aos seus conhecimentos de serralheiro.

O jornalista, que estará domingo de manhã na cerimónia que assinala a restauração do relógio, refere que quando foram extintas as ordens religiosas, em 1834, constava do inventário do Convento de Orgens "um relógio com a sua competente sineta, avaliado em 24 mil réis". Lembra que quando se deslocou a primeira vez a Orgens, em 2002, no âmbito das investigações para a obra "História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades", o relógio "metia dó". "O conjunto jazia a apodrecer à chuva e ao vento, entre cacos, dejectos de pombo e uns madeiros podres, na torre sineira. A gaiola deste relógio cavilhado ainda deve ser a original, mas muitas das peças terão sido substituídas", conta.

Fernando Correia de Oliveira lembra que pouco tempo antes tinha estado no local uma equipa do Instituto Português do Património Arquitectónico a inventariar a capela para classificação, mas que no relatório final "fala-se de tudo, menos do relógio, certamente por ignorância de que lá se encontrava uma peça importantíssima da arqueologia industrial portuguesa". O historiador faz votos para que a notícia da restauração do relógio se espalhe "e que Orgens, pioneiro na relojoaria férrea nacional, seja também um sinal de partida para a recuperação e contextualização do que ainda resta por esse país fora".

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