As pessoas normais não têm nada de especial

Ser super-herói pode ser uma super-canseira e, por vezes, um herói sente-se como uma mulher-a-dias: mal acaba de arrumar a casa - isto é, o mundo - e já está tudo de pernas para o ar outra vez. Ah, há momentos em que se gostaria de ter uma vida normal... Disto se lamenta um super-herói com tiques de estrela, num misto de auto-convencimento e pose "blasé", para as câmaras. Ser super-herói é, decididamente, "in", é estar na moda. Literalmente.

Até que ser super-herói passa a ser "out". Mr. Incredible, um matulão heróico e jovial, vê-se no centro de uma batalha legal que o põe a ele e a outros super-heróis fora de serviço e os obriga a serem cidadãos anónimos. Normais. Um tédio, em suma.

"Os Super-Heróis" é a nova super-animação da Pixar, os estúdios que reabilitaram, com "Toy Story" (1995), uma indústria em agonia - e que, assim, se tornaram num prodígio. "Os Super-Heróis" também é um filme sobre o prodígio, melhor dizendo, sobre uma família de prodígios que se vê forçada a dissimular as suas proezas e a abarcar a normalidade. Normalidade, sim, porque, entretanto, Mr. Incredible tirou a mascarilha, casou-se, teve filhos, arranjou um emprego (ironia das ironias, numa companhia de seguros que tem por lema "A sua vida está nas nossas mãos"). Pois, é sempre a mesma cantiga: onde há um super-herói há sempre uma espécie de "malaise" por causa da sua diferença, e a menor das provas com que se confronta não será a de aceitar essa diferença. Em "Os Super-Heróis" é ao contrário: há uma família inconformada com o facto de ter de reprimir os seus super-poderes (Mr. Incredible casou-se com ElastiGirl, outra ex-super-herói e os seus filhos têm todos aptidões particulares e complementares) e que vai ter aprender a aceitar a normalidade.

Não admira que um filme de animação promova tão despudoramente (e de forma maniqueísta) o prodígio: cada filme procura sempre exibir uma nova proeza, a "next big thing" (e cada vez mais isso é uma questão de pêlo, isto é, de realismo e detalhe de elementos como cabelos, pele e outras texturas). No caso, pode-se apontar "Os Super-Heróis" como o primeiro "action film" de animação, catalisando uma série de referências do "status quo" do filme de acção americano - é uma vingançazinha em relação à recente tendência de Hollywood para adaptar BDs, tomando a cartilha e o "modus operandi" do cinema de acção como matriz e aplicando-os aos desenhos animados. De tal forma que é menos devedor de Homem-Aranha, os "comics", do que Homem-Aranha, o filme (há óbvias remissões para "Homem-Aranha 2" como a sequência em que Mr. Incredible detém um comboio em andamento "in extremis"). Mas há outras referências genealógicas: James Bond (as sequências na ilha evocam "Dr. No") e "Os Salteadores..." - Brad Bird, realizador e argumentista de "Os Super-Heróis" (e que dá voz a uma das suas personagens mais deliciosas, a estilista Edna Mode), já disse que é aos espectadores desses filmes que se dirige - além, claro, dos "Fantastic Four", outra família de super-heróis.

O que faz do filme um objecto algo "old school" (o que alguns podem ver como reaccionarimo), até na lógica antagonista do seu argumento e na superioridade (também moral) dos seus heróis face aos vilões que se parecem tanto, tanto com terroristas. Hipótese: "Os Super-Heróis" é o primeiro filme de animação pós-11 de Setembro.

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