Tráfico de crianças: Um dos bebés vendidos para adopção está com a "intermediária"

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O caso das crianças búlgaras continua a desenrolar-se Adriano Miranda/PÚBLICO

Um dos dois bebés de origem búlgara que foram vendidos para adopção encontra-se com a "intermediária". As relações familiares que o ligam à mulher conduziram a uma orientação diferente da que envolveu o segundo bebé, que está à guarda de uma Instituição Particular de Solidariedade Social.

A Segurança Social confirmou ontem que o bebé que está na raiz da investigação da Polícia Judiciária de Coimbra encontra-se ao cuidado de uma IPSS "até que a justiça determine o seu futuro". "Agora, com poucos meses [três], nem se apercebe do drama que está à sua volta", disse fonte daquele serviço à Lusa.

O bebé, nascido em Maio, saiu do hospital directamente para uma IPSS. O outro já tinha uns dois meses quando o negócio foi descoberto. E, neste caso, "há relações familiares entre as partes" envolvidas. A mulher que "funcionou como intermediária tem um interesse na situação", revelou fonte da PJ ao PÚBLICO.

Recorde-se que a PJ de Coimbra foi alertada por um hospital da Beira Alta na sequência do segundo parto. As investigações, então iniciadas, é que conduziram as autoridades à primeira "barriga de importação". Não por acaso: "Foi através do primeiro caso que o segundo casal [comprador] tomou conhecimento da existência de uma pessoa que lhe podia arranjar um filho", explicou a mesma fonte.

O negócio envolve, pelo menos, um angariador e um intermediário. As cidadãs búlgaras foram aliciadas no seu país de origem para virem a Portugal ter os bebés que de imediato venderam a casais residentes no Vale do Tejo (ver PÚBLICO de 01-08-04).

O esquema era muito simples: as mulheres entravam no hospital já em trabalho de parto, a acompanhante dirigia-se à recepção e fazia o registo em nome da futura mãe adoptiva, os pretensos pais deslocavam-se à conservatória com o documento hospitalar e efectuavam o assento de nascimento.

Sem especificar qual é o laço que une a criança mais velha à intermediária, a mesma fonte policial frisou que "a situação é muito complicada". Por enquanto, "nem se sabe bem quem é pai de quem", sublinha.

Atendendo ao que será melhor para o desenvolvimento emocional do bebé, o tribunal decidiu deixá-lo com a familiar ao invés de a mandar para uma instituição, como fez com a mais nova. Haverá, depois, uma decisão final, que poderá passar pela integração dos menores no sistema de adopção. As mães biológicas não estarão interessadas em ficar com as crianças.

Os sinais de rejeição

O que alertou o hospital foi a reacção da própria progenitora. Para não levantar suspeitas, a cidadã búlgara registada com um nome português evocava não falar e ter de estar sempre acompanhada. As enfermeiras estranhavam a frieza com que se relacionava como o bebé: desde logo, terá evitado olhar para ele.

Havendo "uma equipa multidisciplinar a trabalhar a relação mãe-filho" em cada maternidade, é "difícil" escaparem situações irregulares, sustenta a responsável pelo serviço social da Bissaya Barreto, Arminda Costa. O controlo faz-se no serviço de consultas. Nas situações de urgência clínica, a prioridade é o atendimento. Ainda assim, refere a directora do Serviço de Obstetrícia daquela maternidade coimbrã, Fernanda Jardim, as enfermeiras estão rotinadas para perceberem os "sinais".

Salientando "nunca ter havido" ali situação semelhante à que está a ser investigada pela PJ, as duas responsáveis admitem existir "umas duas suspeitas de comércio por ano". Acontece aparecer alguém que diz ser "o pai [do bebé] e não tem nada a ver" ou um casal que se nota não ter qualquer relação próxima com a progenitora.

"Uma mãe que passa muito tempo virada de costas para o bebé", exemplifica Albertina Costa, espelha rejeição. Tal como "uma mãe que evita olhar para o bebé, recusa amamentar, passa muito tempo fora do quarto ou mesmo que diz à enfermeira: 'Tirem-me essa coisa daqui!", continua.

Os casos abortados, diz Fátima Jardim, desenham-se por norma num quadro de "ingenuidade" e até de "ignorância" da parturiente, que é aproveitado por quem quer adoptar uma criança à revelia do burocrático sistema nacional de adopção. Há mulheres que se descaem, dizem já terem um casal que quer ficar com a criança ou "um médico que até conhece um casal interessado". "Informamos que não pode ser assim, que se pretende entregar o bebé para adopção tem de o registar [na conservatória] e de dar consentimento" ao tribunal, achega Albertina Costa. E os casos são seguidos.

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