Atira a velhora da janela

No cinema americano contemporâneo não deve haver ninguém com humor mais desagradável do que Danny DeVito.

Humor típico de misantropo, lembrem-se filmes como "Atira a Mamã do Comboio" ou "A Guerra das Rosas", que joga com os seus próprios instintos assassinos e pretende despertá-los nos seus espectadores. Pois bem, "Duplex" é um filme nessa linha; e tal como nos exemplos citados o que o perde é o facto de DeVito não resistir a aplacar a sua própria perversidade (e por inerência, a do espectador), como se acabasse a sossegar toda a gente dizendo que isto era tudo uma brincadeira, nada para levar muito a sério. "A Guerra das Rosas" era, nesse sentido, um filme que se auto-traía, e o mesmo se passa com "Duplex".

Eis a história: um jovem casal (Ben Stiller e Drew Barrymore) encontra a casa dos seus sonhos e vai habitar um apartamento que se pode tornar em "duplex" quando a inquilina do primeiro andar abandonar a casa; ou então, visto que se trata de uma senhora de provecta idade, quando morrer, perspectiva que, realisticamente, se afigura próxima; só que... a convivência com a velhota se vai tornar um assunto complicado, e o casal de protagonistas às tantas já só quer uma existência sem sobressaltos até à altura em que, em desespero completo, se fixa na ideia da eliminação física da inquilina. "Atira a Velhota da Janela", podia ser o subtítulo do filme.

É uma comédia do "desastre", no sentido em que "A Guerra das Rosas" também o era, a diferença aqui é que o casal está unido e a conjugalidade nunca é ameaçada. Mas a lógica de "combate", demolidora, é semelhante e tem efeitos igualmente destrutivos, dando cabo das vidas profissionais das personagens de Stiller e de Barrymore e, a pouco e pouco, dos adereços e do cenário.

Que faz a velhota? Nada de especial, para além de ser a vizinha e inquilina mais chata de que há memória, causadora (voluntária? involuntária? isso gostavam Stiller e Barrymore de perceber) da mais profunda "disrupção" na vida dos seus senhorios. Começa por aí: a mais insignificante aparição da senhora, é uma espécie de mola para o desastre. DeVito extrai da situação as devidas consequências cómicas, numa série de gags bastante conseguida (há um muito bom, com uma televisão telecomandada a palmas). Depois, a coisa começa a actuar mais sobre os nervos, das personagens e do espectador. Mas é aí que alguma coisa falha: o riso nunca se torna gelado, a obsessão assassina não parece transmitir-se por completo ao espectador, o filme não se transforma decisivamente num exercício psicológico perverso. Algumas cenas parecem indiciar essa vontade: por exemplo, uma incursão nocturna de Stiller e Barrymore a casa da velhota, armados com uma almofada (e um objectivo evidente), talvez o momento em que tudo se torna simultaneamente mais artificial e mais irracional. Mas depois a espiral interrompe-se, com espaço para a "redenção" e para um "twist" final que representa o tal "pedido de desculpas" de DeVito.

Fica a sensação de que DeVito é de facto um realizador com alguma coisa de especial, com um universo "psicológico" bastante próprio - mas que ainda está à espera de fazer um filme em que não se arrependa desse mesmo universo, no sentido em que alguém tão misantropo como Hitchcock não fazia filmes de "arrependido". Há um abismo entre os dois, claro, mas DeVito, baixinho, feio e gordo, partilha com Hitchcock um pouco mais do que a aparência física.

Sugerir correcção
Comentar