A morte faz-lhes tão bem

A dinamarquesa Lone Scherfig foi a realizadora de "Italiano Para Principiantes", um dos filmes "Dogma 95" que mais sucesso internacional obteve. O facto de ser uma comédia, bastante mais "uplifting" do que a norma do "Dogma" e muito menos neurótica do que costuma ser o temperamento cinematográfico dos países nórdicos, ajudou bastante. "Wilbur Quer Matar-se", realizado em 2002, foi o filme seguinte de Scherfig. Configura uma ligeira alteração de cenário: o norte sim, mas agora na Grã-Bretanha, numa cidade escocesa, previsivelmente brumosa e cinzenta.

O filme já pouco ou nada tem a ver com qualquer "look" "Dogma". É como se a deslocação da Dinamarca para a Escócia representasse tanto um afastamento das célebres regras inventadas por von Trier e companhia como uma aproximação ao estilo do "realismo britânico" - ou então, hipótese nada despicienda, são os lugares, que como se sabe têm um espírito, que se impõem a eles e à sua identidade.

Estamos, portanto, na Escócia, e encontramos dois irmãos. Um é Wilbur, suicida compulsivo, que já se "matou" dezenas de vezes e não perde uma ocasião para ingerir veneno, cortar os pulsos ou enforcar-se. Lá mais para o fim do filme saberemos das razões "psicanalíticas" para os hábitos de Wilbur, paciente recorrente no grupo de apoio a suicidas que funciona no hospital da cidade. O outro irmão é Harbour, mais velho, "protector" de Wilbur. É alfarrabista e gere a livraria que o pai deixou em herança. Por todas as razões apontadas e outras ainda, são ambos solitários - e a história do filme é a do seu encontro com outras pessoas e a possibilidade de, enfim, se reconstituir qualquer coisa parecida com uma "família". Terá que haver uma morte para que Wilbur possa perder a vontade de morrer, superar os traumas e assumir-se finalmente como homem adulto e responsável, tornando-se, por ínvios caminhos, um "chefe de família". Grosso modo e elidindo os pormenores, é isto que se passa em "Wilbur Quer Matar-se".

Amável quanto baste, em tom que é menos de tragicomédia do que de drama adocicado pela "lição de vida" que lhe está inerente, num registo de realismo suave que encontra sempre uma maneira de eliminar as asperezas - digamos, em resumo, um falso filme "duro". Quanto mais dramáticos são os acontecimentos, especialmente toda a parte final com a doença de Harbour, mais o filme puxa pelo carácter "exemplar", como se houvesse sempre e não pudesse deixar de haver um lado redentor na morte (dos outros), um "fortalecimento da vida" para os que ficam. Nesse aspecto "Wilbur" é bastante banalzinho, já vimos esta história, e sobretudo esta "mensagem", filmada incontáveis vezes. A secura nórdica (passe o cliché generalista) de Lone Scherfig impede que a coisa descambe em rodriguinhos demasiados, e acrescenta umas pitadas de humor, mais ou menos "perverso", mais ou menos "negro", mais ou menos inconsequente. Pelo hospital, nota curiosa, passeia-se um médico dinamarquês cujo perfil bizarro parece uma "sinalização" paródica do passado "dogmático" da realizadora. E no fim, "Wilbur Quer Matar-se" acaba por deixar uma sensação bastante semelhante à que deixava "Italiano para Principiantes": enquanto se vê não maça, quando acaba não deixa mossa.

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