Doce pássaro da juventude

Tem sido uma das tendências do cinema americano dos últimos anos: actores de gabarito a ensaiar uma experiência atrás das câmaras. Chegou a vez de Nicolas Cage, o que logo à partida aumenta o número de realizadores existentes no seio da família Coppola (Cage, lembre-se, é sobrinho de Francis). "Sonny", o filme da estreia, chega com bastante má reputação, e nos EUA foi um fracasso de público tanto como de crítica.

Não é a oitava maravilha do mundo, seguramente, mas também não é um filme para deitar fora. O "high profile" de Cage terá contribuido para as reacções negativas, um actor célebre que se estreia na realização nunca pode ser apenas um "realizador estreante". Por outro lado, há qualquer coisa de simpático na ideia de ver uma "estrela" passar para o outro lado das câmaras para fazer um filme modesto, um filme de "artesão" (por esse lado "Sonny" traz à memória a estreia de George Clooney com "Confissões de uma Mente Perigosa").

A história passa-se em Nova Orleães, no início dos anos 80, no momento em que o protagonista, Sonny (James Franco), regressa a casa depois de ter sido desmobilizado do exército. Particularidade: Sonny é filho duma prostituta (personagem interpretada pela inglesa Brenda Blethyn) e antes de ir para a tropa era ele próprio um dos prostitutos com mais saída no "red light district" de Nova Orleães. Sonny quer cortar com essa vida, e esse é o conflito explorado pela narrativa: conseguirá ele alcançar a "vida normal" por que tanto anseia?

De certa maneira "Sonny" podia vir de uma inspiração nas peças de Tennessee Williams, que tanto deram ao cinema americano dos "fifties" e dos "sixties". Não é só uma questão de ambientes (Nova Orleães, recorde-se, era o palco de "Um Eléctrico Chamado Desejo"), nem é só uma questão de recorte das personagens (nos anos 50 Sonny podia ter sido interpretado por Paul Newman ou Marlon Brando, e a personagem da mãe é bastante "tennesseewilliamsiana" mesmo que Blethyn, fiel às suas origens, a transforme em personagem "mikeleighiana"). É, sobretudo, a encenação do remoínho que prende as personagens à sua natureza e ao seu lugar, que frustra qualquer expectativa de mudança e de movimento. Nesse aspecto Cage - cuja "persona" inquieta que construiu como actor se reflecte de algum modo no filme que realizou - mostra-se um realizador competente e com algumas ideias. Aliás, o primeiro plano do filme é extremamente sintético: um "travelling" que mostra o regresso de Sonny a casa, e que pelo tratamento do espaço inscreve a personagem naquele lugar, de maneira inapelável.

Como seria de esperar, é um filme de actores e de personagens. Tem mais dificuldades quando tem que encenar as relações "dinâmicas" entre as personagens, e é aí que mais se aproxima do falhanço (toda a relação entre o protagonista e a personagem de Mena Suvari tem uma sustentação bastante ténue). Não obsta a que seja uma obra bastante atraente, uma variação sobre o tema do "cansaço existencial" a que Cage, como actor, já por inúmeras vezes deu corpo.

Sugerir correcção
Comentar