Levado do Diabo

"Hellboy", o filme, arranca de maneira promissora. A primeira sequência, que vimos depois a perceber conta a origem do super-herói, tem uns pozinhos do misticismo anti-nazi das aventuras de Indiana Jones, com uma alegre misturada de referências históricas e fantasias ocultistas. Assiste-se a uma invocação das forças do Inferno por parte dos nazis, mediada nem mais nem menos do que por... Rasputine, e da experiência parcialmente frustrada sobra, "neste" mundo, uma pequena criatura de ar mais ameaçado do que ameaçador. Seduzida pelos chocolates que lhe dão, a criatura deixa-se adoptar pelo cientista e pelos soldados americanos, baptizam o diabrete de Hellboy. É um longo preâmbulo e só depois vem o genérico - para aqueles que não conhecem a série de BD, são vários minutos que não dão para perceber o que é o que filme vai ser. O que é bom, claro.

Mas apesar deste arranque relativamente entusiasmante, "Hellboy" acaba por não estar cem por cento à altura. Concorre para isso o estilo "zás-trás-pás" de Guillermo del Toro, que terá, pelo que se percebe, um fascínio especial pelo universo dos "comics" americanos (já realizara um dificilmente tragável "Blade 2") mas isso não faz dele um realizador mais dotado nem mais subtil. A personagem do Hellboy adulto (intepretada por Ron Perlman, especialista em criaturas disformes), aparentemente fiel aos contornos definidos pela série, tem alguma graça no estilo "cool brutamontes", como se fosse um cruzamento entre Schwarzenegger e um detective de "film noir" dos forties. Mas perde na profundidade "existencial" do seu intrínseco conflito de naturezas ("besta do apocalipse" tornada humana por educação e aculturação), precisamente onde se pedia a Del Toro um pouco mais do que apenas um certo jeito para engendrar ambientes e cenas de acção (e agora até já há um valente punhado de termos de comparação no que toca à "transcrição" cinematográfica do lado atormentado dos superheróis dos "comics"). Cenas de acção que, diga-se, também não são nada de especial: longos combates com criaturas vindas das profundezas do inferno, nem por isso muito imaginativos e quase sempre bastante monótonos.

O melhor ainda acaba por estar nalgumas personagens secundárias; em particular um incrível assassino nazi completamente "recauchutado", que está sempre a dar corda ao coração (!), tem pó em vez de sangue, uma respiração de asmático e, sofrendo de um tipo de masoquismo que o compele a submeter-se a intervenções cirúrgicas, transformou o seu corpo numa manta de retalhos - é assim uma mistura entre Darth Vader, o monstro de Frankenstein e um zombie, e certamente a criatura mais delirante do filme.

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