deixem os clássicos sossegados!

Os irmãos Coen entraram na História do Cinema pela sua sua capacidade de reformular o "thriller" de suspense ou o filme-de-gangsters. Entretanto e, sobretudo a partir de "Irmão, Onde Estás?", uma variação sulista sobre a "Odisseia", parecem ter confundido imaginação com desconchavo. "O quinteto da morte", "remake" de "The Lady Killers" / "O Quinteto Era de Cordas" (1955), obra-prima do humor negro inglês, embora não seja tão excessivo afina, infelizmente, pelo mesmo diapasão.

O original de Alexander Mackendrick, filmado em glorioso technicolor, não necessitava de "melhorias": produzido pela Ealing, de tão saudosa memória, contava com a fina flor dos comediantes da altura, desde o genial Alec Guiness até ao então jovem Peter Sellers, sem esquecer Cecil Parker, Herbert Lom (o mais lúgubre dos "cómicos", que viria a ser um dos inesquecíveis vilões das Panteras-Cor-de-Rosa) ou Katie Johnson, o protótipo da amorosa e temível velhinha inglesa de classe média.

"O Quinteto da Morte" opta uma transformação de base: passar a história para os EUA, escolhendo uma velhinha negra, com um marido morto, presente no retrato, e uma ligação ao protestantismo evangélico. Desde logo, atentamos nas dificuldades extremas de uma tal passagem transcultural: a essência da comédia negra do original residia no absurdo do "nonsense" britânico (com a inenarrável sequência da carroça dos legumes e da luta com o taxista), no gosto pelos pormenores de uma Londres pitoresca dos anos 50, com os "gentleman-polícias" e os escroques inadaptados do pós-guerra. Não chega, pois, "transculturalizar" para uma América politicamente correcta do "bible belt" (que outra razão para que a velhinha seja negra e religiosa?) para que o tom se mantenha e a revisita se justifique.

Em vez do assalto ao carro dos pagamentos, vindo da vizinha estação dos comboios, temos o esvaziamento dos cofres de um "maligno" casino; em vez do artificioso transporte de táxi, dirigido pela própria velha senhora digna, com passagem pelas ruas londrinas e pelas emblemáticas cabines telefónicas, um tunel escavado a partir da cave, com erros no uso de explosivos e um "comando" chinês (todas as raças no filme?) a dar as ordens. Deste modo se perde o tom artesanal do golpe e da narrativa, recobrindo a ficção de lugares-comuns: o desportista estúpido, o negro femeeiro e asneirento, o professor sentencioso com uma linguagem impossível, repleta de citações e de palavras difíceis. Predomina o traço grosso, o mau-gosto do pormenor soez, onde o original primava pela subtileza e pela alusão.

E, no entanto, Tom Hanks, no seu professor que se reclama de um conto gótico de Edgar Allan Poe, passa a vida a imitar (homenagear?) o inimitável Alec Guiness, de dentinhos de fora, num "gag" sem tom nem som. Os outros actores ficam-se pela caricatura sem graça, pelo brutal conflito físico, pelas asneiras recorrentes para fazer moderno. Algum humor negro ressalta do uso do barco do lixo, coberto de corvos (de novo Poe?), usado pela descartar os cadáveres sucessivamente eliminados dos criminosos vítimas da sua própria inépcia.

Todavia, o que fica da visão desta reciclagem de materiais é a sua absoluta inutilidade: para que serve este exercício de estilo sem estilo? Em vez de acrescentar alguma mais-valia à comédia da Ealing, subtrai-lhe toda a eficácia, toda a ironia corrosiva, todo o charme discreto de uma peça de época, mal entendida e mal transfigurada. Apetece gritar: deixem estar os clássicos sossegados, quando nada há de de novo a adicionar-lhes. E este "quinteto" dos Coen não tem nada, absolutamente nada, para dizer.

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