Reencontro de irmãos

De qualquer modo, numa cinematografia onde a ideia de modernidade se encontra tão ligada à marca que a Nouvelle Vague deixou, é relativamente pacífico afirmar que, desde os anos 60, foi a partir da "via Pialat" que se desenvolveu, de modo consistente, uma manifestação de modernidade para além das margens da Nouvelle Vague. De resto, uma manifestação que até terá tido mais descendência: basta atentar no "jovem" cinema francês, digamos dos últimos dez anos, e ver até que ponto a filiação em Pialat é, mais do que uma possibilidade, uma evidência, mesmo que várias vezes se confunda, como Pialat nunca confundiu, "intimismo" e "naturalismo".

Patrice Chéreau, que não é propriamente um jovem nem tem um currículo integralmente desenvolvido na área cinematográfica, tem-se vindo a afirmar, à medida que se intensifica a sua actividade de realizador, como um dos principais cultores dessa tendência. E dizer isto resulta, claro, de um pouco mais do que de um mero reflexo "pavloviano" por o filme anterior de Chéreau se chamar, justamente, "Intimidade". Chéreau já fez vários tipos de coisas em cinema, mas nos últimos tempos, depois da reconstituição histórica "barroquizante" ensaiada em "A Rainha Margot", parece ter-se fixado ("Aqueles que Me Amam Apanharão o Comboio", "Intimidade", agora "O Seu Irmão") neste registo relativamente tipificado que parte para um olhar sobre as intimidades (familiares, afectivas) através de um naturalismo que se pretende sofisticado, e, por isso mesmo, um pouco para além do naturalismo.

Nessa medida "O Seu Irmão", história de um "reencontro de irmãos" no momento em que um deles, o mais velho, se vê tomado de assalto por uma doença que ninguém consegue diagnosticar com exactidão, e que não só o impede de levar uma vida normal como faz da morte uma iminência sempre presente, é um filme bastante exemplar. Parece haver uma aposta clara: interrogar o que são dois irmãos na idade adulta, averiguar até que ponto a intimidade intrínseca dessa relação pode ter uma correspondência prática e efectiva, e de que modo. E depois, como é evidente, filmar essa área difusa onde uma extrema proximidade coincide com um território de sombra feito de não-ditos, de vagos ou profundos ressentimentos importados do passado, onde a intimidade de hoje é jogada, ou ditada, pela intimidade do passado. A espécie de situação-limite criada pelo argumento (adaptado de um romance de Philippe Besson) funciona como pouco mais do que um mecanismo que permita pôr em acção um método de "perfurar" essa relação entre os dois irmãos (que são o centro absoluto de tudo, atirando os coadjuvantes, do resto da família aos respectivos amantes, para uma inultrapassável periferia).

Como noutros filmes de Patrice Chéreau, o "programa" é um nadinha demasiado visível, tende a confundir-se com um projecto de "crueza" ostensivamente anti-romanesca e em larga medida auto-indulgente. É difícil sustentar isto em termos minimamente objectivos, mas fica-se sempre (aqui e noutros filmes) com a sensação de que Chéreau é uma espécie de protagonista escondido do seu filme, e que a sua presença se faz sentir na reiteração constante de um "voilá, aqui estou eu a filmar isto" com resultados um tanto exibicionistas - em "O Seu Irmão" o momento em que isto mais parece ser verdade é quando Thomas (Bruno Todeschini) está a ser preparado para a operação e Chéreau filma longamente a acção das enfermeiras. É um momento "cru", claro, mas soa sobretudo a manifestação de um desejo de crueza.

Nenhum projecto de "cinema da intimidade" pode passar sem apostar numa espécie de "alquimia" com, e entre, os actores. Bruno Todeschini, no irmão doente, e Eric Caravaca, no irmão-amparo, são no fundo os dois grandes pilares de "O Seu Irmão", responsáveis por que exista sempre qualquer coisa a sobrepôr-se à leve exasperação que o filme constantemente suscita. Nem demasiado expostas nem demasiado secretas no que diz respeito à relação entre ambas, as personagens acabam por exprimir, num tom que parece sempre justo, toda a gama de cinzentos que é o melhor espelho das contradições entre os afectos e a sua expressão.

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