A Pixar é fish

Para a Pixar tem sido sempre a subir: desde "Toy Story", há quase dez anos, que cada novo filme é um sucesso maior do que o precedente. "À Procura de Nemo", quinta longa-metragem do estúdio liderado por John Lasseter, estabeleceu uma nova altura para a fasquia, e a progressão tem sido tão imparável que dentro da Pixar já se fazem piadas sobre a "pressão" que cai sobre os ombros do realizador a quem caiba dirigir o "filme seguinte".

É claro que algum dia esta espiral ascendente vai ter que ser interrompida, e esse momento, ou maneira como a Pixar reaja ao momento da deflação, pode muito bem ser determinante quanto ao futuro de um estúdio e de uma equipa criativa que tem vivido num admirável estado de graça junto do público e da generalidade dos críticos.

Mas deixemo-nos de agoiros. "À Procura de Nemo" é mais um óptimo exemplar da "linha Pixar", manifestação de um método e de uma fórmula que, ao quinto filme, se continuam a ser mais ou menos os mesmos, ainda não dão qualquer sinal de que o esgotamento esteja próximo. Nesse sentido, "À Procura de Nemo" é um daqueles raros filmes que, não contendo nenhuma surpresa, conseguem, apesar disso, ser sempre surpreendentes.

Quais são os segredos da Pixar? Dá para enumerar uns quantos. Ter conseguido inventar - e estabelecer - uma identidade visual e estilística que, devendo tudo à tradição figurativa clássica da Disney, soube renová-la tanto quanto autonomizar-se (como alguém disse, desde "Toy Story" que os melhores "Disney movies" deixaram de ser feitos pela Disney). Ter apostado numa tecnologia - a animação por computador - sem nunca a tomar como um fim nem como pretexto para exibicionismos "topo de gama" (num filme Pixar não se vê a tecnologia, vê-se o seu produto); assim como não cedeu à tentação do "realismo": os bonecos da Pixar continuam a ser e a parecer bonecos, mas com mais "corpo" do que os bonecos do desenho animado clássico.

Em termos narrativos, o segredo também assenta numa reviravolta operada sobre a tradição Disney: um filme da Pixar é um filme da Disney com os diálogos "spiced up", histórias e personagens menos infantilizadas, referências actualizadas, momentos xaroposos postos de lado (nada que se assemelhe às famigeradas "canções Disney"), sentimentalismo enxugado, e lição de moral embrulhada de maneira mais enérgica e menos pasmada. Lasseter e os seus colaboradores descrevem-se como "filhos criativos e Disney e dos Monty Python", no que é uma maneira sintética de resumir as cambiantes do humor e das narrativas da Pixar.

"À Procura de Nemo", como se disse, é mais uma manifestação de um brilhantismo que, mesmo sem ter propriamente surpresas para apresentar, ainda parece longe de suscitar, no espectador, o mais leve sinal de cansaço. Parte de uma ideia que é sobretudo uma ideia de cenário (os peixes e o fundo do mar) que depois é explorada às mil maravilhas em dúzias de pequenas ideias - nalgumas cenas o caleidoscópio é tão colorido que nos perguntamos se haverá limites para a imaginação da equipa liderada neste caso por Andrew Stanton. A história é uma das mais antigas do mundo - um pai à procura do filho perdido - mas os elementos (personagens, situações, cenários) são tão cuidados que nem parece. Não há um pingo de lamechice (Albert Brooks, na voz do peixe-pai, confere-lhe um tom neurótico-cínico-nova-iorquino que cria um óptimo efeito de distanciamento), há "gags" certíssimos (o último plano, com os peixes dentro de sacos de plástico), ideias que não lembravam ao diabo (os tubarões "comedores de peixe anónimos"), e dúzias de piscadelas de olho a outros filmes (um tubarão a imitar Jack Nicholson em "Shining", por exemplo). E a abrir há uma curta-metragem de 1989, também da Pixar, com um boneco de neve-brinquedo que é imperdível.

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