Burla com apropriação ilícita de IVA lesou Estado em 33,9 milhões de euros

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A decisão validou a acusação deduzida pela magistrada do MP que dirigiu as investigações DR

O Ministério Público reclama 33,9 milhões de euros de 18 arguidos e de 13 pessoas colectivas, anteontem pronunciadas pelo Tribunal Central de Instrução Criminal pelos crimes de associação criminosa e fraude fiscal, num despacho proferido pela juíza Maria de Fátima Mata-Mouros.

Esta decisão validou a acusação deduzida pela magistrada do MP que dirigiu as investigações, Manuela Rego. E encerra mais uma etapa de um caminho aberto, em 23 de maio de 2002, pela Direcção Central de Investigação da Corrupção e da Criminalidade Económica e Financeira da Polícia Judiciária (DCICCEF), quando deteve dois presidentes do Conselho de Administração de empresas do sector informático.

Anteontem, a juíza Maria de Fátima Mata-Mouros prorrogou a prisão preventiva a que os dois administradores estão sujeitos desde 24 de Maio do ano passado e admitiu o concurso real entre os crimes de fraude fiscal e o de associação criminosa. Trata-se de uma interpretação que se tem revelado até agora maioritária nas decisões proferidas na primeira instância, na Relação e no STJ. Mas também têm sido proferidos acórdãos em sentido contrário.

A divergência tem óbvias implicações no prazo máximo da prisão preventiva, e não deve persistir por muito mais tempo, alerta a juíza do TCIC. "Não é admissível que a classificação de determinada conduta como criminosa (no caso a associação para a prática de fraude fiscal) esteja dependente do tribunal onde o caso é apreciado! Matérias como esta, que podem conduzir e têm conduzido à prisão de pessoas, não suportam a dualidade de interpretações".

Durante a leitura do despacho instrutório, o principal arguido secava o suor e mais tarde deixou-se mesmo apoderar pela comoção até às lágrimas, quando se tornou claro que ia sentar-se no banco dos réus, juntamente com os seus alegados cúmplices, e que iria continuar em prisão preventiva com o outro alegado principal artífice da burla.

O expediente de que o acusa o Ministério Público (M.P.) teve um final infeliz, por agora. Os dois presos preventivos são acusados, com os demais 29 arguidos, de terem recorrido a um processo de descapitalização do erário público, através da simulação de exportações de equipamento informático para Espanha e Inglaterra. Esta operação não assentava na movimentação efectiva das mercadorias, gerando facturações em carrossel.

Este esquema induzia a imputação a firmas fictícias virtuais de débitos de muitos milhões de euros em IVA, que não era pago à fazenda nacional, ao passo que as mesmas importâncias eram registadas na conta-corrente de outras empresas dos arguidos com os serviços do IVA. Só no caso das que estarão ligadas aos dois principais arguidos, o M.P. estima que, de 1999 a 2002, entre deduções indevidas e falta de liquidação, o Estado foi lesado em 15,5 milhões de euros.

Esta avultada quantia terá servido para gerar avultados lucros ilícitos e fomentar a concorrência desleal, uma vez que, iludindo o pagamento do IVA, aqueles empresários podiam vender mais barato que os seus concorrentes.

Fraude fácil mas de dícil detecção

A fragilidade dos mecanismos nacionais e comunitários é uma das principais aliciantes para ficcionar um sinuoso percurso de mercadorias que, permanecendo em armazém, geram facturações sucessivas. O circuito de papel visa fazer desaperecer o rasto inicial e pode envolver mais do que um país da União Europeia, onde as mercadorias circulam em regime suspensivo de direitos e o IVA é pago no destino.

A fraude-carrossel consiste em ficcionar movimentações sucessivas de bens entre várias empresas de pelo menos dois países da UE, que circulam em circuito fechado. O que induz o não pagamento de IVA, através da criação, simultânea, de um circuito de facturas falsas para justificarem a não entrega de IVA, através da respectiva dedução. O expediente pode envolver, como seria o caso investigado pela DCICCEF, subfacturação das mercadorias que não chegariam a sair de Portugal.

Esta moderna e rentável ilicitude tem uma margem bruta de lucro igual ao valor do IVA, antes 17 por cento e actualmente 19 por cento do valor das mercadorias. No caso que vai ser julgado em breve na Boa Hora foram ficcionadas transacções rondando os 200 milhões de contos. Um valor que traduz a magnitude e complexidade de expedientes usados e foi definido após intensa controvérsia entre os peritos que auxiliaram o MP e os consultores técnicos mobilizados pela defesa.

Com algumas sessões a terminarem pelas 4h00 da madrugada, aqueles técnicos ajudaram a juíza de instrução a admitir a existência de indícios suficientes para levar o processo a julgamento. E nesta nova fase é previsível que a polémica continue e seja determinante a consistência dos peritos da acusação e da defesa.

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