Uma questão de estilo

James Foley nasceu na época errada. Se tivesse produzido os seus pequenos "thrillers" nas décadas áureas de Hollywood, no auge do cinema clássico, teria porventura, hoje, estatuto de cineasta de culto, algures entre alguns vultos maiores da série B. Assim, existe sempre nos seus filmes uma pulsão para a criação de atmosferas que já não fazem sentido, a não ser no âmbito do "pastiche" distanciado do "film noir", uma espécie de impossibilidade assumida enquanto tal.

Tanto "After Dark, My Sweet" (em que até o título original parecia "pastichar" o clássico "Farewell, My Lovely"), de 1990, como "Fear" (1996) investiam numa zona reconhecível de cinefilia vampirizada e revista. "Confiança" não foge a esta norma de jogar no exercício de estilo com os modelos por perto, mas com as costuras à vista. Mesmo o carácter tautológico da frase de propaganda com que se anunciou - "Não é sobre o dinheiro. É sobre o dinheiro" - aponta para este tipo de estilização "sabichona" ("clever" seria o termo), mas algo estéril.

A ideia de argumento é simples e eficaz: um bando de aldrabões profissionais, especializado em golpes teatralmente encenados, envolve-se com uma importante figura do mundo do crime (saborosa composição, quase um "cameo" alargado, de Dustin Hoffman, cheio dos seus tiques habituais) e ensaia a sua obra-prima do embuste (com o auxílio de uma outra rábula, desta vez de Andy Garcia) com resultados favoráveis e final feliz.

Até aqui tudo bem, num divertimento bem ritmado e repleto de inversões de expectativas e de golpes de rins: ao fundo, os resquícios do "film noir"; muito perto, outros grandes exercícios recentes, nomeadamente "Jackie Brown" de Quentin Tarantino ou "Ocean's Eleven" de Steven Soderbergh. Neste contexto, o espectador começa a aperceber-se de uma invasora impressão de vazio citacional.

Sobretudo o filme de Tarantino paira como uma sombra incómoda (nem sequer falta, em terceira aparição breve, um dos "pivots" de "Jackie Brown", Robert Forster), com uma imensa diferença de amplitude: é que em "Confiança" não chega a haver personagens, nem relações entre elas, apenas títeres, peças de um elaborado jogo intelectual. O exemplo perfeito desta (voluntária) fragilidade encontra-se na relação sempre interrompida (a nível físico e não só) entre o par Edward Burns/Rachel Weisz (bem mais credível na série "A Múmia"), um encontro gráfico entre dois "bonecos", sem espessura, nem consistência.

Um mau filme? Nem por sombras, há um enorme prazer de filmar, de baralhar, de trocar as voltas ao argumento, de estimular o espectador. Falta-lhe, no entanto, nervo, capacidade para fazer de um material interessante uma análise de situações ou de mundos em exposição. Assim, como está, esgota-se na óbvia piscadela de olho cinéfila, no estilo pelo estilo. São opções...

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