Não nos faças rir, Gwyneth

Gwyneth Paltrow a tentar insinuar-se como "California girl", loiríssima, sorriso aberto, como Cameron Diaz, ou arrivista, trepando pela escala social, procurando consumar o "American dream" da América profunda, como Reese Witherspoon?

Acto falhado: dificilmente a comédia servirá a Paltrow, última incarnação da mulher-gelo (como as loiras de Hitchcock). Tem havido tentativas: "Shallow Hall", por exemplo, mas aí, o factor cómico assentava na desproporção do seu corpo. Em "Altos Voos", a hipótese de arrivista converte-se, afinal, em "good-hearted girl" e a comédia parece estar sempre onde ela não está - no histrionismo de Mike Myers, recrutado aqui como personagem secundária, quase excessivo nos seus "gimmicks", transbordante numa comédia tão esclerosada. Seria a hipótese de "comic-relief" num filme em défice de energia, mas tem o efeito contrário.

"Altos Voos" é Bruno Barreto ("Bossa Nova", "O que é isso, companheiro?") a picar o ponto em Hollywood, correspondendo ao efeito "Central do Brasil" e consequente convocatória de alguns realizadores brasileiros, como Walter Salles. Estará o mundo a precisar de mais um tarefeiro a olear a máquina de produção-em-série de Hollywood? Nem por isso.

Em "Altos Voos", Gwyneth é Donna Jensen, protótipo da jovem empregada de supermercado da América interior que sonha fugir dali para fora o mais depressa possível. A epifania surge por via de um programa televisivo com uma ex-hospedeira de bordo tornada autora de "best seller" (Candice Bergen, em registo anti-Murphy Brown) e Donna parte com sonhos de viagens a Paris (hélas, o filme foi feito antes da vaga de boicote aos franceses e anda na gaveta desde os ataques do 11 de Setembro), decidida a não recuar um milímetro nas suas aspirações.

A comédia romântica tem-se afirmado como terreno fértil para o conservadorismo: mesmo objectos supostamente refutados pela sua obscenidade, como "A Coisa Mais Doce", acabam por redundar no normativo, e "Altos Voos" é um produto retrógado (até o seu design de produção, revisionista dos "fifties" e pretensamente "cool", aponta nesse sentido) de quem aparentemente nunca ouviu falar de Howard Hawks. Donna vê-se confrontada entre duas escolhas (feministas, façam o favor de deixar de ler aqui): carreira ou amor. Importa que, no fim, o filme seja uma negação do seu pressuposto inicial e do seu título? Provavelmente não, porque é um filmezinho minado por todos os lados. E Paltrow não está sozinha no seu papel "against type" (o elenco do filme é mesmo um imenso equívoco): Mark Ruffalo parece decidido a negar a sua revelação em "Podes Contar Comigo", a que se têm sucedido interpretações cada vez mais cabotinas. Vai um bilhete em terceira classe?

Sugerir correcção
Comentar