Gémeas iranianas não resistem a cirurgia de separação

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As gémeas Ladan (à esquerda) e Laleh (à direita) não sobreviveram à cirurgia Jonathan Drake/EPA

Morreram as duas gémeas siamesas unidas pela cabeça que estavam a ser operadas no Hospital Raffles, em Singapura. Laleh Bijani morreu algumas horas após a operação que a separou de Ladan, que faleceu após uma intensa perda de sangue no pós-operatório ao início da manhã.

O Hospital Raffles, em Singapura, confirmou já a morte de Laleh. "O Hospital Raffles lamenta anunciar que as gémeas Bijani, Ladan e Laleh, morreram na sequência da operação", lê-se numa nota do estabelecimento de saúde.

As gémeas, que viveram 29 anos unidas pela cabeça, estavam na sala de operações desde domingo. As 48 horas previstas para a cirurgia cumpriram-se e até foram ultrapassadas, mas as irmãs não resistiram à perda de sangue, inesperada para os médicos, que sobreveio à separação dos dois crânios.

"À medida que a separação se aproximava, perdeu-se muito sangue", disse o médico Prem Kumar Nair, porta-voz do hospital Raffles, de Singapura, onde a mediática e inédita operação de separação de duas siamesas adultas unidas pela cabeça teve lugar. "As gémeas encontravam-se, por conseguinte, em estado crítico", prosseguiu o porta-voz.

Ladan estava em condição mais grave e "os médicos tentaram estabilizá-la, mas o seu estado continuou a deteriorar-se", prosseguiu. "O Hospital Raffles lamenta anunciar que Ladan Bijani morreu há poucos minutos", lê-se no comunicado emitido pelo estabelecimento de saúde às 15h40 locais (08h40 de Lisboa).

Laleh continuou internada e em estado crítico, mas entretanto o Hospital Raffles anunciou a sua morte.

Cirurgia polémica

Laleh e Ladan Bijani nasceram unidas pela cabeça. Tinham cérebros anatomicamente intactos e distintos, mas uma caixa craniana comum, e partilhavam uma importante veia que irriga os dois cérebros.

As siamesas foram operadas por uma equipa internacional de 28 especialistas e cerca de uma centena de assistentes, liderada por Keith Goh, neurocirurgião australiano e pelo cirurgião plástico Walter Tan. "Operação Esperança" é o nome com que foi baptizada a intervenção.

Segundo os médicos, cada uma das jovens tinha 50 por cento de hipóteses de sobreviver. Uma operação destas, em adultos, é não foi inédita como muito mais arriscada do que intervenções semelhantes já feitas em crianças siamesas.

A cirurgia não é pacífica aos olhos da comunidade científica: os custos da intervenção foram suportados por um fundo especialmente criado para as irmãs Bijani e os médicos envolvidos abdicam de receber pelos serviços prestados. O hospital suporta os custos da estadia e dos exames preparatórios.

Richard Ashcroft, responsável pelas questões éticas no Imperial College de Londres, pronunciou-se sobre o caso, que classificou como "um dilema moral". O especialista considerou que a intervenção se jusitificaria se as irmãs corressem risco de vida caso não a realizassem. Mas Goh, por seu lado, garante que o que está em causa é muito mais do que uma questão estética.

Ontem, o cirurgião português Gentil Martins, responsável por várias cirurgias de separação de siameses, chamava também a atenção para o aproveitamento mediático que o hospital de Singapura, um dos mais bem equipados do mundo, estará a realizar com esta separação das gémeas iranianas.

Gentil Martins garantia que, se os cérebros das jovens são distintos, a operação poderia ser feita em dez horas apenas. "E também não são precisos 28 cirurgiões e cem ajudantes. O caso está a ser manifestamente empolado mediaticamente. Acho que os meus colegas não estão a explicar isto bem", continua o cirurgião, que, à falta de informação, também não entende de que veia comum, que tem de ser substituída numa das gémeas, é que se está a falar. Mais: "Se os cérebros são separados, eu diria que a taxa de sobrevivência das irmãs é de 80 ou 90 por cento."

Hoje, o especialista voltou a pronunciar-se, acusando os médicos má orientação. Gentil Martins considerou "inacreditável" que os médicos tivessem demorado seis horas a abrir o crânio comum das gémeas iranianas e afirmou não compreender o longo tempo da intervenção cirúrgica.

Ressalvando não conhecer os dados técnico-científicos da operação e da condição das siamesas iranianas, Gentil Martins disse ainda não perceber a razão que levou a equipa do hospital de Singapura a querer restaurar um vaso de ligação que existia entre os cérebros das siamesas. "As duas têm cérebros. Parece-me um erro de base que, se têm cérebros separados, se vá tentar implantar um vaso numa delas que não existia. Esse vaso seria para eliminar, já que todos os vasos importantes existiam em cada uma delas", precisou.Globalmente, o cirurgião português considera que a equipa de médicos de Singapura "não foi feliz na orientação" que deu à cirurgia e especulou que, "se as gémeas tivessem vindo a Portugal", a operação não lhes seria recusada e "talvez tivesse sido melhor".

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