Os anjos caíram

Que a rolha do champanhe salte: o mundo de "Os Anjos de Charlie" é gasoso e as raparigas até se olham e esboçam largos sorrisos enquanto defrontam os vilões, numa espécie de inconsciência de menininhas (é isto o "women's lib"?).

Os anjos estão de volta e até têm um halo a condizer: não era preciso, já sabíamos que estavam envoltas numa bolha.

Sintoma comum a grande parte das sequelas, "Charlie's Angels: Potência Máxima" limita-se a agudizar as fórmulas do original, como se se perdesse no auto-inebriamento da receita encontrada. A "potência máxima" quer dizer isso mesmo: que se entrou no território do puro delírio. Como? Já não há narrativa, mas um simulacro descosido do filme original, que avança (ou parece avançar) com os solavancos da acção. Pode-se defender que também não havia história no primeiro, mas pelo menos havia a legitimação do universo "bubblegum" do trio Cameron Diaz/Drew Barrymore/Lucy Liu. Aqui, trata-se tão-só de um filme desconexo e desmiolado (e sem graça), a repetir mecanismos: os efeitos especiais são o limite.

Não é que "Charlie's Angels" alguma vez tenha pretendido ser levado a sério. Simplesmente, com o estado de graça a escapar-lhe, a sequela não aponta outra saída senão a radicalização dos "truques" (há mesmo uma inacreditável Demi Moore, ex-anjo de Charlie rendido às forças do mal, a voar pelo céu) e a desmesura dos "stunts". Não se perdeu grande coisa, mas perdeu-se uma certa ingenuidade que havia por detrás da fruição "girls kick ass" do filme original.

Se os filmes têm como ponto de partida a série de culto dos anos 70, nunca se tratou de um "remake" sofisticado, até porque as novas gerações de espectadores nunca viram a série original. E, se na sequela há mesmo uma piscadela de olho à série, com o "cameo" de uma das actrizes originais, Jaclyn Smith, esta surge envolta numa luz celestial, quase como um fantasma.

Não, "Charlie's Angels", os filmes, estão mais próximos de "Austin Powers", aí onde usurpação e paródia (e, já agora, cabotinismo) se confundem. Na sequela, não são só as piruetas "kung fu" à la "O Tigre e o Dragão" nem os "freezes" pilhados a "Matrix" - há uma sequência saída de "O Cabo do Medo", de Scorsese, com Justin Theroux (de "Mulholland Drive") a mimetizar o Max Cady de Robert De Niro (até a banda sonora é a mesma).

"Eu sabia que íamos aparecer depois de 'X-Men' e de 'Matrix'", afirmou o realizador McG numa recente entrevista, como quem anuncia um programa. "A melhor opção era fazer qualquer coisa excitante para que as pessoas se sintam devidamente servidas e satisfeitas como espectadores." Nesse caldo cultural, onde tudo se combina indiscriminadamente, numa lógica "copy-paste", o que impera é o vazio.

Não é um filme, é um holograma.

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