Em terapia

"Sonhos Desfeitos/ Moonlight Mile", terceira longa-metragem do americano Brad Silberling (realizador de "A Cidade dos Anjos", "remake" de "As Asas do Desejo", de Wenders), tem evocado comparações com "Vidas Privadas", de Todd Field (e mesmo "No Quarto do Filho", de Moretti).

Percebe-se porquê - tratam-se de filmes que têm no centro o confronto de uma família com a trágica perda de um filho -, mas a aproximação é algo circunstancial, já que as opções seguidas por cada um dos realizadores divergem. Onde o filme de Field recusava a rendenção (a não ser uma libertação através de um acto de vingança), o de Silberling aposta num equilíbrio entre drama e "comic relief", com fins terapêuticos. Resumindo (e para acabar de vez com as comparações): "Vidas Privadas" era um filme sujo, violento, negríssimo, "Sonhos Desfeitos" é cândido, lenitivo, transparente.

Luto a três: quando a filha de Ben (Dustin Hoffman) e JoJo (Susan Sarandon) é assassinada, o casal "adopta" o noivo prometido dela, Joe (Jake Gyllenhaal, revelação de "Donnie Darko"). Estamos numa pequena cidade dos EUA, nos anos 70. Porquê os "seventies"? Provavelmente, porque Silberling quer inscrever-se na tradição das peças de câmara dos "filmes de interpretação" ("character-driven") dos anos 70 (são conhecidas as afinidades electivas que muitos jovens realizadores americanos, sobretudo do circuito independente, apontam com esse período do cinema americano).

Sem interpretações fortes a defendê-lo - Gyllenhaal parece estar a fazer render os efeitos de "Donnie Darko", Hoffman mantém-se fleumático, nos limites do suportável, Sarandon é caricatural no seu retrato de escritora em bloqueio, espécie de ex-hippie chegada à idade adulta -, restará ao filme a delicada orquestração desse intimismo de câmara. Nada a fazer: se "Sonhos Desfeitos" é uma assumida catarse pessoal para o realizador (a companheira, Rebecca Schaeffer, foi assassinada em 1989, tinha ele 27 anos), depressa contorna a questão, caindo no "boy meets girl" - o encontro de Joe com Bertie (Ellen Pompeo), que também perdeu o seu namorado no Vietname - e administrando doses sucessivas de sacarina sentimental (a cena no tribunal, que abre caminho para a inevitável redenção final, é francamente confrangedora).

É um filme indistinto, sem pingo de subtileza (mas, enfim, aconchegante...), um exemplo de "mainstream" que procura esbater essas marcas e que se parece demasiado com demasiados coisas - no limite, se os novos realizadores americanos se reportam ao cinema dos anos 70, "Sonhos Desfeitos" remete para esses filmes que se reportam aos anos 70... Leva-se alguma coisa de "Sonhos Desfeitos"? Leva-se: a banda sonora (cuja presença no filme lembra o que Gus Van Sant fez com a música de Elliot Smith em "O Bom Rebelde"), que inclui Stones ("Moonlight mile", que dá título ao filme), Dylan ("Buckets of rain") e Elton John ("Razor face").

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