Cinema intransigentemente belo

Depois de longo hiato criativo, Sapinho regressa num registo muito diferente do urbano "Corte de Cabelo" (1995), embora próximo do território geográfico e do tom poético de um filme de que foi co-argumentista, "Glória" (1999) de Manuela Viegas.

Fechado num círculo de sentimentos e de pequenas fugas para a frente, "Mulher-Polícia" aposta numa luminosidade fosca que envolve as personagens numa redoma, de que a estufa em que se refugiam parece ser a metáfora. No centro do filme, o rosto extraordinário de Amélia Corôa, comandando a viagem pelo interior do medo, algures entre o melodrama a que se aspira, mas que se rarefaz, quase por pudor de assumir as emoções. "A Mulher-Polícia" é, pois, um objecto frágil e delicado, interdito aos compulsivos cultores da narratividade fácil de telefilme. E, no entanto, naquela noite que traz consigo a morte e o desespero, encontramo-nos perante a pura pulsão ficcional, entre pedras e silêncios, nos domínios de um cinema "pobre" e intransigentemente belo.

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