Complicações amorosas

Aos 30 anos, está na altura ideal para se ter uma criança. Pelo menos, é essa a opinião de Catarina Menezes (Maria de Medeiros), uma famosa apresentadora de TV. Como da sua relação com Tê (Ana Bustorff) nunca poderá resultar um filho, resolve utilizar a "ajuda" de um pai forçado, Rafael (Karra Elejalde), que conquista durante uma noite em Madrid, para logo em seguida desaparecer da vida dele. O motivo é simples: como os homens são todos uns chatos, ela não quer qualquer relacionamento com o futuro pai do seu rebento. Mas Rafael é que não está pelos ajustes...

Para complicar ainda mais a situação, pelo meio há também Francisco (Joaquim de Almeida), um colega da mesma estação televisiva e ex-marido de Tê, com quem Catarina acaba por se envolver...

O encontro entre Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida – os dois modelos maiores do "star system" português –, fenómeno comercial, recordes de bilheteiras ultrapassados, uma imparável (e inédita) campanha publicitária e a primeira co-produção cinematográfica de um canal de TV (neste caso, a SIC), são alguns dos dados que mais vêm à baila quando se pensa em "Adão e Eva" (1995), o terceiro filme de Joaquim Leitão a ser lançado pela série Y. Mas o filme é (muito) mais do que isso: uma reflexão irónica e divertida acerca do estado de desorientação das relações amorosas em final do século XX (mas também poderia ser hoje em dia, que seria exactamente o mesmo), sobre as pessoas, as suas inseguranças e dúvidas e o esforço titânico que fazem para serem felizes ("Porque é que a vida é tão difícil?").

Sendo uma história contada do ponto de vista de uma mulher e o olhar de um homem sobre o universo feminino ("No mundo das mulheres há uma dose de mistério que é inultrapassável", disse o realizador, "é um mundo completamente diferente do dos homenseporissofascina- meprincipalmente por não o compreender"), "Adão e Eva" acaba por se relacionar de forma curiosa com a obra anterior de Joaquim Leitão, "Uma Vida Normal", de certo modo a sua antítese. Enquanto nesse filme se fazia o retrato de um homem em crise, com a plêiade de mulheres que preenchia a vida de Joaquim de Almeida a não conseguir disfarçar (ou a acentuar apenas) a solidão irremediável que o assolava, aqui assistimos à desenfreada tentativa de uma mulher – perante a incompreensão do mundo que a rodeia – de realizar sozinha o seu sonho de ser mãe ("Não precisamos das pessoas, não precisamos de ninguém", diz ela ao bebé que tem na barriga): Joaquim e as mulheres "versus" Maria e os homens (e mulheres)?

Catarina (exemplarmente defendida por Maria de Medeiros, com os seus olhos grandes e sofredores) é, assim, o centro do filme, algo que se torna óbvio logo desde o início: todas as personagens deste rectângulo amoroso estão ligadas a ela e todas gravitam em seu redor, de certo modo devoradas pela sua presença. Há mesmo uma cena supremamente divertida, com Rafael e Tê desmaiados no chão da sala de estar de Catarina, que é de alguma forma sintomática dos corpos que a jornalista vai deixando à sua volta. Vão parar ambos ao hospital (e Tê ainda passa depois por uma clínica psiquiátrica), o que não deixa de ser adequado a dois "doentes" de amor (por Catarina, claro está)...

No meio de todo este caos, da confusão e do desnorte generalizados – as personagens não se fixam, há um filho que é arranjado da forma mais complexa e as coisas mais verdadeiras e sentidas são ditas através da televisão... –, o final "feliz", com o nascimento de uma criança (a calma depois da tempestade?) e uma união a quatro (a assunção da paternidade em grupo: "O pai da criança somos nós os três") é o sinal de que, apesar de tudo, ainda pode haver felicidade. Uma solução optimista? Joaquim Leitão confessou ter-se inspirado em Frank Capra...

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