Sincrónico e anacrónico

Não é seguro que não se possa entrar em "Longe do Paraíso" como em território virgem, mesmo conhecendo os melodramas de Douglas Sirk.

É verdade que, no princípio, desconfiamos: já vimos aquele "travelling" inicial, já vimos aquele jardineiro, um e outro em "All That Heaven Allows", conhecemos os códigos e as cores, antecipamos a explosão do melodrama contra as imposições sociais. E, no entanto: não é réplica, nem "remake", não o vemos com a mesma distância que nos separa dos filmes de Sirk (por mais avassaladores que sejam). É um filme em dois tempos, simultaneamente sincrónico e anacrónico: estamos na América dos anos 50, mas o jardineiro já não é apenas jardineiro, é negro, e o marido não é adúltero, é homossexual. Ou seja, é um filme de hoje, como se fosse feito nos anos 50 (e não o contrário) e a forma - a estilização - é o que lhe confere a singularidade. Se os exercícios de revisionismo do cinema clássico se têm pautado pela impossibilidade de voltar a ele, "Longe do Paraíso" faz o contrário. E, provavelmente, transposto para a América de hoje, os resultados seriam menos fulgurantes.

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