Jardim proíbe manual escolar com referência à pedofilia na Madeira

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O livro foi adoptado pela escola há três anos DR

O conselho do governo regional, reunido sob a presidência de Alberto João Jardim, decidiu ontem proibir a adopção do manual de Geografia para o nono ano, editado pela Plátano.

O executivo madeirense determinou também a abertura de "processo crime contra a editora e autores do manual escolar" e a "proibição imediata deste papel (sic) em qualquer escola da Região". O livro de Geografia fora adoptado há três anos pela Escola Horácio Bento de Gouveia, no Funchal, mas só agora o governo ordenou a abertura de "imediato inquérito para apurar responsabilidades" no referido estabelecimento de ensino público que legalmente tem autonomia pedagógica na adopção dos manuais.

Em causa, esclarece o executivo de Jardim, está a seguinte legenda de uma fotografia: "Na Madeira, por 13 florins, pouco mais de 1.000$00, crianças e adolescentes vendem a inocência, fruto da pobreza em que vivem".

O governo madeirense decidiu ainda dar conhecimento ao ministro da Educação da "instrumentalização que é feita no seu sector e, no caso, através de manuais escolares". A imagem, com a polémica legenda, ilustra um texto que, ocupando metade da página 249, alerta os jovens estudantes para a problemática da pedofilia.

A questão da pedofilia na Madeira mereceu particular análise da Provedoria da Justiça que, num relatório concluído em Março de 1998, confirmou a existência de 47 processos "respeitantes a crimes contra a autodeterminação sexual de menores" nesta região. A investigação criminal surgiu na sequência de exposições dirigidas a Menéres Pimentel por entidades nacionais e internacionais que, como a European Playwork Association, apelavam à intervenção das autoridades portuguesas em defesa dos direitos das crianças vítimas de exploração sexual neste arquipélago.

Um outra organização não-governamental belga, a Wergroep Morkhoven, entregou à PJ portuguesa vídeos pornográficos filmados com crianças madeirenses, imagens que permitiram a identificação e condenação dos pedófilos De Rijck, holandês, Van Der Naaden, belga, e, A. Garcês, colaborador madeirense daquela rede internacional com sede na Bélgica.

Segundo o relatório da Provedora de Justiça, as investigações desenvolvidas pela PJ, bem como os inquéritos abertos pelo Ministério Público, apontam como susceptíveis de serem vítimas algumas crianças, pertencentes à comunidade piscatória de Câmara de Lobos, que se dedicam à mendicidade no Funchal e, em alguns casos, à prostituição. Uma anterior denúncia de exploração sexual de menores feita pelo movimento católico MAC, em 1994, enquanto decorria o julgamento do padre Frederico Cunha, condenado pelo homicídio e atentado sexual a um menor .

Em 1998 a Ordem dos Advogados apelou às intervenções dos governos da República e da região nas situações de abusos sofridos por menores na Madeira, sugerindo algumas actuações para resolver este "problema, na sua essência, de cariz económico, social e cultural". Nesse relatório, entregue ao então ministro Ferro Rodrigues que o fez chegar aos presidentes da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco e do Instituto para o Desenvolvimento Social, era traçado o "quadro negro" em que vivem as famílias dos menores explorados - inseridos em núcleos populacionais de "fracos recursos económicos, com poucos conhecimentos derivados do seu elevado absentismo escolar e com uma taxa de natalidade excessiva" - reclama do Estado soluções que tenham em conta as situações económica e familiar das crianças.

A denúncia dessas "autênticas violações, aproveitando-se de crianças e adolescentes que estão na rua por questões de sobrevivência pessoal", foi sempre minimizada pelas autoridades regionais, sendo pelo governo de Jardim considerada mais um episódio da "cabala contra a Madeira e a sua autonomia".

A proibição do manual de Geografia acontece na véspera da chegada de Jorge Sampaio ao Funchal. Uma anterior visita oficial, em 1998, coincidiu com a divulgação de notícias sobre o desmentido envolvimento de governante insular na pedofilia na ilha. Relativamente a este tipo de crime, cuja natureza "particularmente repugnante" confere-lhe "uma grande notoriedade e visibilidade noticiosa", o Presidente da República considerou verdadeiramente importante atacar as causas sociais que estão na origem deste problema, isto é, "as causas que levam os menores a prostituir-se", apelando aos esforços nesse sentido e a uma mais rigorosa vigilância sobre tais crimes.

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