Inquietação Italiana

"'Magnólia' à italiana" ou "Altman à italiana" são duas das coisas que já chamaram a "O Último Beijo", não necessariamente com a intenção de lhe prestar um elogio.

O filme não será, de facto, nenhuma obra-prima; mas não deixa por isso de ser irritante vê-lo reduzido a rótulos desse tipo, que para mais não dizem absolutamente nada sobre o filme.

"Magnólia" e Altman por quê? Porque "O Último Beijo" cruza muitas personagens, seguindo os seus encontros e desencontros? Porque filma um mal estar sincrónico de geração? Se for por isso, faz tanto sentido como dizer que "Magnólia", ou os filmes de Altman, se reduzem a "'A Regra do Jogo' à americana" ou a "Renoir à americana".

O problema principal de "O Último Beijo" será o seu excesso de ambição, e o facto de, manifestamente, exigir mais unhas do que as que Gabriele Muccino (também autor do argumento) demonstra ter. A ideia parece ser partir para uma lógica de "mosaico", filmar uma inquietação que, tendo uma forte âncora geracional, acaba por não se poder reduzir a uma questão de geração e é algo de mais global. Assim, entre maridos que deixam a mulher, homens que se apaixonam por adolescentes mais ou menos nabokovianas, amigos que abandonam o emprego e partem para uma deriva geográfica sem destino certo, mulheres casadas há trinta e tal anos que subitamente descobrem estar a perder a vida ao pé do marido, "O Último Beijo" cruza uma série de situações de ruptura, esboçando uma espécie de mapa social da classe média italiana onde tudo está na iminência de se estilhaçar. A ideia não é desinteressante, o tema da insatisfação existencial é qualquer coisa com profundas raizes no cinema italiano (Antonioni....), e enquanto expõe as suas premissas o filme de Muccino é pelo menos capaz de prometer.

As promessas não se cumprem, e até se desmerecem, basicamente porque falta densidade e profundidade ao cinema de Muccino, incapaz de desenvolver personagens e situações a partir de certo ponto - o que explica, provavelmente, que o terço final do filme pareça bastante autocomplacente, com aquele tom que normalmente têm os filmes que se deixam fascinar consigo próprios. Se os próprios actores (Stefano Accorsi e os outros da sua idade) se revelam demasiado "leves" para que deveriam idealmente pesar, é preciso destacar a gravidade da veterana (e recém "oliveiriana") Stefania Sandrelli (que roda com o realizador português "Um Filme Falado"), que é o que melhor se resgata no filme - a cena em que, já depois de abandonar o marido, se encontra com o antigo amante (Sergio Castellito), onde toda a dimensão trágica é originada e ampliada pelo ridículo da situação e da conversa da personagem, é talvez o melhor momento do filme. Mas fica como principal sinal (entre alguns outros, menores) de um outro filme que não é bem o que Gabriele Muccino acabou por fazer.

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