Marinha sem dinheiro para assumir missões externas

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Documento de Mendes Cabeçadas, quando era Chefe do Estado-Maior da Armada, aponta insuficiência de 46 milhões de euros PÚBLICO

Perante a proposta de orçamento para a defesa em 2003, a Marinha ficará com "total incapacidade para assumir qualquer compromisso externo" em 2003. A crítica não vem da oposição, foi assumida pelo actual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Mendes Cabeçadas, quando era chefe do Estado-Maior da Armada.

Num documento de apreciação do orçamento, a que o PÚBLICO teve acesso, datado de 14 de Agosto, o almirante considera que a verba para operação e manutenção é insuficiente e que impossibilita a participação da Armada em missões internacionais. Isto, quando está previsto que Portugal integre no primeiro semestre de 2003 a força naval permanente do Atlântico da NATO (Stanavforlant).

Repetindo queixas do seu antecessor, Mendes Cabeçadas alerta para que o dinheiro previsto "apenas permite assegurar o dispositivo, o adestramento e as viagens de instrução em moldes semelhantes a 2002 e com iguais fragilidades". O treino operacional, a actividade hidrográfica/científica e a presença naval sofrem "reduções significativas".

O CEMA vai mais longe. Considera que "o estado de manutenção da esquadra continuará a agravar-se significativamente por incapacidade de adquirir sobressalentes, material de estaleiro, de manutenção de contratos técnicos de apoio, de recurso à indústria particular e de subcontratação de pessoal não existente nos quadros do Arsenal do Alfeite". Continuará a "actual insuficiência" na recuperação de infra-estruturas em terra, de manutenção do parque de viaturas e de fardamento.

Como conclusão, reforça a ideia que "é de esperar que a incapacidade de manter os navios da esquadra possa ter reflexos directos no desempenho das missões, designadamente no cumprimento do dispositivo ou no aprontamento dos meios a envolver em missões externas".

No que diz respeito ao pessoal, o chefe militar chama a atenção para o facto de não estarem inscritas no orçamento verbas para equiparar o salário dos voluntários e contratados aos dos militares no quadro permanente, nem para a equiparação dos salários dos sargentos e praças da Armadas aos da GNR, como o ministro tinha prometido.

O almirante salienta ainda de que para funcionar nos parâmetros normais, a Marinha devia receber mais 46 milhões de euros.

Mendes Cabeçadas foi o escolhido por Portas para ocupar o cargo de Chefe de Estado-Maior da Armada em Maio e depois voltou a ser novamente escolhido para suceder ao general Alvarenga, que foi exonerado em Outubro. No dia 7 de Novembro, em Bruxelas, numa das primeiras declarações aos jornalistas depois da tomada de posse, Mendes Cabeçadas afirmou que "as Forças Armadas não podem exigir mais nesta altura".

Recorde-se que o ex-CEMA, almirante Vieira Matias, também por causa de dificuldades no orçamento de manutenção, protagonizou no início deste ano um diferendo com o Governo, ao exigir mais meios. O orçamento que Vieira Matias tinha era de 349 milhões de euros, enquanto que para 2003 haverá 383 milhões.

Curiosamente, numa "comunicação interna da Marinha", com data de 9 de Novembro de 2001, Vieira Matias também alertava para "o adiamento de acções de reparação e manutenção das unidades navais" e para o adiamento em equiparar os vencimentos do pessoal do regime de contrato" com os do quadro permanente.

Em entrevista ao PÚBLICO, em Março deste ano, dias antes de abandonar o cargo por limite de idade, Vieira Matias reconhecia que havia navios parados e até abatidos por falta de componentes, e que tinha navios a navegar com taxas na ordem dos 20 por cento, quando deviam cumprir uma taxa 60 por cento.

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