Axxxtion Man

a geração MTV encontrou o seu James Bond. Não, não é Austin Powers, é uma nova raça de agente secreto: Xander Cage, XXX, Triple X. Um currículo de desportos radicais é quanto basta para livrar o mundo do mal pós-comunista.

Nome de código: zero-zero-bíceps. Zero-zero em comportamento e um colosso no lugar do corpo, a geração MTV encontrou, finalmente, o seu James Bond (não, não é Austin Powers, afinal). Nunca digam nunca: "Missão Radical" ("XXX" no original, leia-se "Triple-X") anuncia "uma nova raça de agente secreto". No duplo sentido: não é só porque as armas são diferentes, mas também porque o protagonista, Vin Diesel, faz gala em manter uma aura de mistério à volta das suas supostas origens étnicas, recusando responder a perguntas directas sobre o assunto, para, alegadamente, caber em todas as etiquetas possíveis (sintomaticamente, tem a sua própria casa de produção, a que chamou One Race).

Nova raça, também, de herói de acção: "Missão Radical" é o mais recente filme a agitar Diesel como valor maior do cinema "musculado", combinando o fraseado monolítico de Arnold Scwarzenegger e a insolência "cool" de Bruce Willis. É a nova "joint-venture" de Diesel e do realizador Rob Cohen, depois de "Velocidade Furiosa" (2000), a primeira colaboração entre os dois, se ter tornado num sucesso a toda a prova e ter lançado o actor que agora figura em todas as capas de revista.

"Missão Radical" não anda muito longe do anterior filme, um desfalque de "Ruptura Explosiva", de Kathryn Bigelow, em versão automobilística: novo mergulho num submundo, onde um agente se tenta infiltrar ganhando a confiança do grupo. Só que, desta vez, é a ordem mundial que está em causa: "Missão Radical" pode ser uma radicalização de James Bond, mas os seus recursos narrativos são tão ou mais velhos que 007 - o mundo corre perigo sob a ameaça nuclear de um obscuro ex-militar do exército russo, líder de um grupo de rebeldes chamado Anarchy 99.

matar o modelo Bond. James Bond sempre foi terreno frutificante no que diz respeito a pilhagens e paródias (de "Casino Royale" a "Austin Powers"), e "Missão Radical" é, talvez involuntariamente, um pouco de ambas. Começa-se logo por matar o modelo Bond, numa cena que também invoca "Missão Impossível": um convencional agente americano é morto numa missão em Praga. É então que um veterano Gibbons (Samuel L. Jackson), com um rosto cicatrizado para provar a sua dedicação ao "métier", propõe testar uma série de marginais e enviar o mais talentoso para travar amizade com os inimigos anárquicos.

O eleito é o tatuado Xander Cage (Vin Diesel), anárquico à sua maneira, que ganha fama a atirar carros de senadores de pontes, registando as suas proezas acrobáticas para as divulgar via Internet. Paródia de Bond, dizia-se? A tese de "Missão Radical" é que um currículo de desportos radicais é quanto basta para livrar o mundo do mal pós-comunista.

James Bond pode ser visto como um barómetro de mudança cultural, à medida que a personagem foi evoluindo ao longo dos últimos 40 anos, mas foi sempre intangível, bebendo martinis ("stirred not shaken") quando o resto do mundo bebia coca-cola, e descartando os Beatles como "ruído" (em "Goldfinger", 1964) quando os Fab Four subiam nas tabelas.

Já o herói relutante de "Missão Radical", na senda de super-heróis como o Homem-Aranha de Stan Lee, conhece o seu público e, enfim, está ao nível dele - e as cenas iniciais do filme estabelecem, desde logo, os "links" para essa identificação, desde a música (trash metal) aos desportos radicais. "Pensa em Playstation", diz Xander Cage a um agente checo, quando depara com o anacronismo das armas. Fica tudo dito. Como um jogo de vídeo, "Missão Radical" faz desfilar prova atrás de prova num turbilhão de adrenalina, mais "trip" do que "thriller" de espionagem - numa sequência paradigmática, Xander Cage arrisca-se numa avalanche só por prazer.

Um James Bond tatuado e "snowboarder", mas ainda James Bond: "Triple-X" era o nome da agente russa que colaborava com o renitente Bond (Roger Moore) de "The Spy Who Loved Me" (1977).

Xander Cage também tem a sua "partenaire" russa, uma sacrificial Yelena (a italiana Asia Argento, que se passeia com a sua languidez trash - ou como o etnicismo serve, mais uma vez, todas as etiquetas possíveis), mas a sofisticação da relação entre os sexos nos filmes de Bond não tem lugar em "Missão Radical", onde as personagens femininas são instrumentalizadas e a virilidade é canalizada para poses guerreiras (não por acaso, as ogivas nucleares que Xander Cage terá de deter têm formas fálicas). Impotência? Numa entrevista da revista "Empire", o jornalista fazia notar a Vin Diesel que a actividade sexual de James Bond era superior à do seu agente secreto. "Sim, o tipo é uma espécie de dinossauro nesse domínio", respondeu-lhe o actor.

Num curto-circuito entre a pretensa sofisticação que capta os códigos da cultura juvenil e um anacronismo - o submarino letal, que o vilão esconde num subterrâneo, algures entre "Dr. No" e "20.000 Léguas Submarinas" -, "Missão Radical" é um objecto bem mais moralizador do que, eventualmente, quer parecer, fazendo valer a teoria de que todos são recuperáveis: Xander Cage, afinal, também se rende ao "establishment", quando, consciente da sua missão de salvar o mundo, afirma que tantas vezes arriscou a vida por razões estúpidas (rude golpe nos adeptos dos desportos radicais). Nem série B (apesar da sua suposta subversão de referências e da sua rugosidade), nem série Z (porque não é bizarro, nem tem um carácter irrisório), "Missão Radical" é bem capaz de pedir um novo género: série X. Com um "axxtion man" à altura.

"Sempre pensei que era uma estrela. O resto do mundo é que levou tempo a perceber isso", diz Vin Diesel. Resta saber quem vencerá nas bilheteiras: o novo filme de James Bond, "Die Another Day", chega em Dezembro.

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