Mais de metade dos presos em Portugal já consumiram droga

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Entre três e 26 por cento dos consumidores de droga em meio prisional afirmam ter iniciado o consumo dentro da cadeia PÚBLICO

Pelo menos 62 por cento dos reclusos portugueses já consumiram droga na cadeia, dos quais 27 por cento pela via injectável, situando-se Portugal no pelotão da frente nesta matéria, revela a agência europeia da droga.

No seu Relatório Anual sobre a Evolução do Fenómeno da Droga na União Europeia (UE) e na Noruega, hoje divulgado em Bruxelas, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) afirma que mais de metade dos reclusos da UE já consumiu droga nas prisões, sendo a percentagem de presos toxicodependentes muito superior à registada em meio livre.

De acordo com o OEDT, os países da UE com maior número de consumidores nas cadeias (pelo menos uma vez) são a Inglaterra e o País de Gales, seguidos da Áustria, Irlanda, Portugal, Alemanha e Bélgica.

Segundo vários estudos efectuados na Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Irlanda, Itália, Portugal e Suécia, entre três e 26 por cento dos consumidores de droga em meio prisional afirmam ter iniciado o consumo na cadeia, local onde de 0,4 a 21 por cento dos Consumidores de Droga Injectável (CDI) iniciaram também os seus consumos.

No seu relatório de 2002, o OEDT sublinha que, nas últimas duas décadas, "a presença e o consumo de drogas mudaram radicalmente a realidade no meio prisional, tendo todos os Estados-membros grandes problemas devido às drogas e às doenças infecto-contagiosas relacionadas com o consumo".

De facto, em comparação com a comunidade, os consumidores de droga detidos estão mal representados, menos protegidos e informados. Nas cadeias a percentagem dos reclusos que afirmam ter consumido uma droga ilícita alguma vez na vida varia entre os 29 e os 86 por cento, dependendo das prisões e dos países, mas numa taxa sempre superior a 50 por cento na maioria dos estudos.

Segundo o relatório do OEDT, a cannabis é a substância mais frequentemente experimentada, mas alguns estudos revelam também elevados níveis de experimentação de heroína, com valores próximos dos 50 por cento.

Os reclusos que admitem ter um consumo mais regular, consumir droga por via intravenosa ou ser dependentes, representam até 69 por cento da população prisional.

Apesar de o OEDT dar conta de que a maior parte dos consumidores revela tendência para parar ou reduzir o consumo depois da reclusão, por dificuldade em obter droga, alguns continuam a consumir, nalguns casos até em maior quantidade, e outros começam o seu percurso nas drogas após a reclusão.

"São raras as informações de rotina sobre consumo de droga entre os reclusos, mas pequenos estudos locais apontam para níveis alarmantes", sublinha o OEDT, estimando que o consumo de droga no interior das prisões abranja até 54 por cento dos reclusos e o consumo regular até 36 por cento.

Os comportamentos de risco nas prisões, tais como a partilha de drogas e de material para a injecção, tatuagens e prostituição, são também mais frequentes.

O OEDT salienta que apesar de o número de mulheres presas ser inferior ao dos homens, são estas que registam uma proporção mais elevada de consumo no interior das cadeias.

O Observatório estima que o valor das drogas nas cadeias seja duas a quatro vezes superior ao praticado fora destas, acentuando que "o tráfico nos estabelecimentos prisionais é referido como sendo muito mais perturbador do que na comunidade, provocando situações de intimidação, prepotência e criminalidade".

O documento mostra que a actual oferta de serviços de tratamento da toxicodependência não responde às necessidades dos consumidores de droga, estimados em mais de 50 por cento da população criminal.

Segundo o relatório, os materiais de informação escrita sobre a droga e as doenças infecto-contagiosas com ela relacionadas "parecem estar disponíveis na maior parte dos estabelecimentos prisionais da EU e da Noruega". À excepção da Grécia, da Suécia e de dois "lander" alemães (Baviera, e Bade-Vurtemberga), o tratamento de substituição é uma prática comum entre os consumidores problemáticos da comunidade. No entanto, dentro das prisões desses mesmos países a política de desintoxicação é ainda a mais frequente.

O OEDT alerta para o facto de vários sistemas prisionais de países da UE estarem a apostar cada vez mais na prevenção da transmissão de doenças infecto-contagiosas. Contudo, ainda que intervenções que tenham sido experimentadas na sociedade se terem revelado eficazes, as prisões ficam, na maior parte dos casos, à margem, devido ao facto de estarem politicamente conotadas, por se depararem com resistências do pessoal prisional ou por serem inadequadas em meio prisional.

Os programas de trocas de seringas dentro das cadeias, por exemplo, podem vir a revelar-se uma boa opção. A Espanha foi o primeiro país da UE a pôr em prática este programa e quase todas a prisões do seu território o praticam. Luxemburgo e Portugal estudam a sua introdução.

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