Um Passeio no Campo

Aparentemente, Christian Carion, que assina com "Uma Andorinha Fez a Primavera" a sua segunda longa-metragem, pretende reatar uma velha tradição do cinema francês: o naturalismo de raiz bucólica e campestre, aqui mais eminentemente realista do que poético, mas sem descurar esta segunda vertente. Temos assim a história de uma jovem parisiense (Mathilde Seigner) que resolve abandonar a cidade mudar-se para uma quinta no maciço de Vercors; na quinta vive ainda o antigo proprietário (Michel Serrault), um viúvo solitário e amargo que lentamente se vai deixar amolecer pela presença da rapariga. Que, evidentemente, é a andorinha que vai fazer a Primavera.

O filme, apesar de tudo, é menos sentimentalista do que aparenta. Há um trabalho interessante sobre as figuras dos dois protagonistas, sobre o modo como, pequena cedência atrás de pequena cedência, pequena rendição atrás de pequena rendição, pequena sedução atrás de pequena sedução, a relação entre ambos vai deslizando do antagonismo inicial para uma proximidade afectiva e familiar. Além do mais, tudo isso se processa de forma bastante enxuta, o que é uma surpresa agradável. O filme resiste aos efeitos emocionais fáceis, como se apostasse na contenção e na reserva que caracteriza as personagens. A dureza de Mathilde Seigner é eficaz, e mesmo Michel Serrault (que não interpreta só a sua personagem, faz também o número do grande actor, inevitavelmente com tendência para um pouco de cabotinice) não é apanhado em falso - é cabotino, mas é coerente.

"Uma Andorinha Fez a Primavera" é, até por isso, fundamentalmente uma história de actores. Em fundo, passa um esboço de retrato da paisagem rural francesa em época de modernização e europeização - a insistência, e o confronto, com os tempos passados, vêm mais de uma vez ao de cima. Mas, ainda aqui, em tom de resignação serenada, quase nunca em lamúria nostálgica.

É evidente que, fora essa contenção e essa distância, Christian Carion não tem muito mais ideias, e que há momentos em que "Uma Andorinha..." se aproxima do registo formatado de um telefilme. Mas se não pedirmos ao filme que seja aquilo que ele, manifestamente, não pode nem quer ser, talvez a experiência do seu visionamento traga algumas compensações. Discretamente, a água lá chega ao moinho.

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