Preso na Teia

Que faz um cineasta fora da sua teia? Monta uma nova armadilha ou adapta-se. "Spider" está algures no meio. É um Cronenberg atípico? Sim e não. Longe das metamorfoses do corpo, das fusões mecânicas e dos universos virtuais que constituem o programa do realizador canadiano, não deixa de prosseguir o mesmo mandamento: o horror enquanto emanação do humano, do que existe dentro de nós.

Mas Cronenberg aceitou um projecto que não era seu, tanto quanto era de Ralph Fiennes, e quando o guião chegou às suas mãos já trazia o actor britânico como garantia para o papel principal. É o próprio Cronenberg quem afirma que o seu fascínio pelo projecto "é estranho" - e tem feito questão de salientar esse fascínio sempre que fala do filme, para que não restem dúvidas.

No entanto, as incertezas subsistem: um filme de tonalidades kafkianas, numa Londres arquétipo de pós-guerra, e o complexo de Édipo à solta? Spider (Ralph Fiennes) regressa de um asilo psiquiátrico ao bairro da sua infância. Assiste-se à narrativa de uma reinvenção: o reencontro com os lugares do passado desencadeia memórias inquietantes, e, para se proteger, Spider monta a sua teia.

Spider adulto olha para Spider criança e o que é que vê? A harmonia de uma relação entre mãe (Miranda Richardson) e filho ameaçada pelo pai ausente (Gabriel Byrne). A partir daí, é o desenrolar da sua paranóia: o pai é o que mata a mãe e traz outra mulher - uma prostituta - para casa. O que Spider não reconhece é que mãe e prostituta são a mesma, clássica clivagem freudiana; o que não sabe é que matar uma implica matar a outra.

É o quê uma teia? Uma rede de segurança mas também uma armadilha. "Spider" é, então, o drama (surdo) de alguém apanhado na sua própria teia. Surdo porque Ralph Fiennes é um modelo de exteriorização contida: rosto crispado, quase sempre mudo, obsessivo. Mas é quase sempre o actor educado nos palcos londrinos que vemos, como repositório dos maneirismos de representação do homem em perda, da loucura: é Spider, mas podia ser o Gregor Samsa de "A Metamorfose", de Kafka.

Não por acaso, o responsável pelo "look" do filme, Andrew Sanders, diz ter pensado na história como uma peça de teatro - Samuel Beckett e Harold Pinter são inspirações assumidas. De resto, a Londres de "Spider" também é um cenário: corresponde a uma certa ideia de "britishness", tão comum a algumas séries da BBC. Não é uma Londres "realista", avisa Cronenberg, mas aquela que está dentro da cabeça de Spider (ou da sua, já que confessa que "Spider é um artista" e o filme é a criação dele). São matrizes que o realizador canadiano convoca para montar a sua própria teia de segurança em território alheio. E que o acabará por armadilhar: o filme limita-se a reenviar-nos o reconhecimento de uma concepção primordial de terror psicológico, de forma explícita e sem inventividade. A duplicação de uma personagem dentro do mesmo plano, contemplando a infância, é um recurso banal, e a revelação de que Miranda Richardson interpreta dois papéis - o que se revela muito cedo - torna tudo o resto bastante previsível e anti-"pathos".

"Spider" é um filme em que Cronenberg parece estar ausente, mais delicado do que provocador. O pudor substituiu a perversidade? Como Rimbaud, Cronenberg poderia dizer: "Par délicatesse, j'ai perdu ma vie".

Sugerir correcção
Comentar