Auto-estrada Figueira da Foz-Coimbra abre hoje sem festa

É sem pompa que hoje abre ao trânsito o último troço da A14, a auto-estrada que, com um total de 40 quilómetros, passa a ligar a cidade da Figueira da Foz ao IC2, à A1 e ao IP3, na zona de Trouxemil, que fica a cerca de seis quilómetros a norte de Coimbra. Numa estrada que começou a ser construída com perfil de itinerário principal (IP), que depois foi concessionada à Brisa e que, hoje, proporcionalmente, tem em alguns troços as portagens mais caras do país, a discrição é a palavra de ordem. Hoje, às 17h00 horas, o trânsito, simplesmente, começa a circular, sem que qualquer membro do Governo apareça para cortar a fita.

Quando, no final da década de 80, se tomou a decisão de criar uma alternativa à velha EN111, que liga Coimbra a Figueira da Foz, a opção foi avançar com a construção, a partir da Figueira, de uma nova via, então baptizada de IP3. O primeiro troço do IP, que se prolongava até às portas de Montemor-o-Velho, foi aberto ao trânsito em 1994, mas a sua continuação, até Coimbra, ameaçava ser indefinidamente adiada.

Foi o primeiro Governo de António Guterres que tomou a polémica decisão de rebaptizar toda a via, transformando-a na A14, que concessionou à Brisa. O resto do percurso, já com portagens e inaugurado com atrasos significativos e troço a troço, foi tendo direito a cerimónias presididas por ministros e secretários de Estado socialistas, que nem por uma vez escaparam à contestação dos autarcas.

Portagens "aberrantes"

O antepenúltimo troço da A14 a ser inaugurado, por exemplo, esperou duas semanas pela festa, depois de concluído. Corria o mês de Março de 2001: acabara de se dar a tragédia de Entre-os-Rios, a que se seguiu a remodelação governamental, e quem esteve presente na cerimónia já não foi Jorge Coelho, mas sim Ferro Rodrigues, o herdeiro da pasta.


A espera por melhor oportunidade para a inauguração não compensou: no local, o ministro não ouviu elogios, mas sim críticas contundentes do então presidente da Câmara de Montemor-o-Velho, José Manuel Antunes, também socialista. Este classificou como "uma aberração" e uma "anedota" as duas portagens já existentes e ridicularizou os "maus acessos" da EN111 à A14, em Santa Eulália, chegando a afirmar que, em vez de "trânsito médio diário", o afluxo de automóveis passaria a ser contabilizado, naquele local, com base no "entupimento médio diário".

A "festa" seguinte, relativa à abertura do sublanço de 9,6 quilómetros entre Arazede e Ançã, foi feita a menos de um mês das últimas eleições autárquicas e voltou a ser marcada pela contestação às portagens. Na altura, o presidente da Brisa argumentou que "os países civilizados pagam portagens" e Ferro Rodrigues insistiu na ideia de que não cederia a pressões.

Estava-se em plena pré-campanha eleitoral e quatro homens, então candidatos do PSD à presidência das câmaras de Coimbra, Cantanhede, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, não deixaram fugir o pretexto e fizeram-se fotografar de mãos dadas e rostos sorridentes. O gesto simbolizava a futura união dos quatro municípios na luta pela abolição de portagens na A14. Todos eles viriam a ser eleitos, a 16 de Dezembro, mas também a desencontrarem-se com o adversário esperado: em vez de um governo socialista, como calculavam na altura, enfrentam hoje um executivo do qual faz parte o seu próprio partido.

Contestação mantém-se, mas mais discreta...

Anteontem, quando contactado pelo PÚBLICO para comentar os planos do Governo de introduzir portagens no IP3, Carlos Encarnação citou precisamente o caso da A14, "pensada para ser um IP", como um exemplo de "injustiça" (os utentes terão de pagar 1,85 euros para fazer os 27 quilómetros de auto-estrada com portagem). Mas o presidente da Câmara da Figueira da Foz, Duarte Silva, mostrava-se bastante mais conformado com a situação do que há seis meses: "Já fiz ver ao ministro que os figueirenses são duplamente penalizados: pelo atraso de cerca de três anos na obra e pelo pagamento de portagens. Não tive resposta... O que é que quer que eu faça?". Sem admitir que esta atitude represente um baixar de braços, diz compreender que "a situação caótica em que o PS deixou o país obrigue, por agora, a alguns constrangimentos".


Luís Leal, o autarca de Montemor, mostra-se mais irritado e preocupado. Teme que as portagens funcionem como um incentivo para que os automobilistas continuem a atravessar a sua vila, pela EN111, que naquele troço é municipal. E, com veemência, exige que sejam tornadas virtuais as duas primeiras portagens, no sentido Figueira-Montemor-o-Velho e insiste na rápida construção da verdadeira "estrada alternativa à A14, a via rápida que ligará Coimbra a Montemor, passando por Taveiro e Alfarelos". Também da lista de reclamações do autarca de Cantanhede, Jorge Catarino, fazem parte obras: a construção da variante à A14, do nó de Cantanhede à localidade de Pena, e as passagens desniveladas que garantam a segurança dos automobilistas, entre aquele mesmo nó e a EN234-1, em direcção a Coimbra.

Para hoje, no entanto, não há qualquer manifestação de protesto prevista. Meses depois do mediático gesto das mãos unidas, os quatro autarcas preferem recorrer a mais discretas formas de pressão.

A frase

"Já fiz ver ao ministro que os figueirenses são duplamente penalizados: pelo atraso de cerca de três anos na obra e pelo pagamento de portagens. Não tive resposta... O que é que quer que eu faça?"


Duarte Silva

Presidente da Câmara da Figueira da Foz


Sugerir correcção
Comentar