Tobey Maguire o rapaz atrás da máscara

Não é exactamente o primeiro nome que vem à cabeça quando pensamos em super-heróis. Tem sido o pensativo "boy next door" em filmes "sérios", cujos super-poderes se limitavam a uma aura de inocência e ironia. Em "Homem-Aranha", mostra que sabe trepar pelas paredes e atravessar Manhattan como um Tarzan urbano. É um herói invulgar de tão comum que é: e se um de nós se tornasse num super-herói?

"Estão a ver porque é que o escolhi", afirmava um confiante Sam Raimi na edição de Maio da revista americana "Premiere", como se a resposta fosse óbvia. Na verdade, antes de o "Homem-Aranha" propagar uma teia de entusiasmo pelos ecrãs (e de se tornar, até ver, no mais rentável filme do "box-office" americano deste ano, à frente do último episódio de "A Guerra das Estrelas"), ninguém percebia porque é que o realizador insistira emTobey Maguire para o papel do super-herói da Marvel. "Tinha que ser alguém com quem me pudesse identificar. A história [do Homem-Aranha] é: 'E se um de nós se tornasse num super-herói?'", justifica Raimi.

O realizador de "Evil Dead", ele próprio um fidelíssimo admirador desse ícone da BD americana, parece ter sido o único a recordar-se de que, antes de adquirir os seus super-poderes, o Homem-Aranha é tão-somente Peter Parker, um jovem estudioso, desajeitado e com pouco talento para abordar elementos do sexo oposto. Por outras palavras, um tipo normal. Ao contrário dos seus pares, como o alienígena Super-Homem ou o recluso milionário Batman, quando surgiu nos anos 60 o Homem-Aranha trouxe a novidade de ser um herói com o qual os seus leitores-alvo se podiam relacionar directamente: um púbere de origens modestas, padecendo das dores do crescimento e de inadequação da pele (além do acne) da maioria dos adolescentes.

No entanto, para os fãs mais extremosos neste virar de milénio, Maguire, actor de 26 anos que tem mantido um perfil discreto, figurando em projectos que Hollywood considera "autorísticos", não parecia estar à altura da missão. Todos os motivos foram invocados: era demasiado velho, demasiado novo, demasiado pateta, demasiado simpático, demasiado pequeno. E porque o lucro de um "blockbuster" não se limita à sua prestação nas salas de cinema, alguém deixou a profética dúvida num fórum da Internet: "Irá a contratação de Maguire condenar o franchise?" Sabe-se, pelo menos, que os Homem-Aranha em miniatura que chegaram às lojas foram retocados...

Apesar dos rumores sobre outros eventuais candidatos ao papel, como Jude Law e Heath Ledger, Sam Raimi manteve-se firme na sua decisão de ter Maguire como protagonista. Ao que parece, era o único actor que podia corresponder à visão dramática que tinha da personagem. "Quando nos aproximamos de Tobey para um grande plano, há mais coisas a acontecer do que com a maioria dos actores", diz o realizador. "Há um lado mais pesado, negro e secreto nele." E antes que Raimi vá mais longe em explicações kafkianas (afinal, "A Metamorfose" também é sobre um homem tornado insecto), Maguire limita-se a explicar: "Gosto de mudar constantemente a opinião que as pessoas têm de mim. Esse é o lado divertido da coisa."

estrela improvável. O actor, cujos poderes pouco secretos se circunscrevem ao ioga e a uma dieta vegetariana, tem sido mais pródigo em papéis de anti-herói. Sem o "glamour" de muitos dos seus "compères" de Hollywood - embora tenha sido recentemente eleito "o vegetariano mais sexy" numa votação da PETA -, cultivando uma espécie de charme desarranjado e "blasé", viu-se subitamente catapultado como estrela paradoxal do momento. Notado em 1997 pelo seu papel de adolescente disfuncional em "A Tempestade de Gelo", de Ang Lee, foi-se impondo progressivamente em filmes independentes ditos "sérios", de "Pleasantville" a "Wonderboys - Prodígios", como um príncipe melancólico e ambivalente, combinando inocência e ironia como se fossem a mesma coisa. Muito longe do rapaz que estreou em séries de televisão, como Blossom, Roseanne ou mesmo ao lado de Chuck Norris, em Walker, o Ranger do Texas...

Natural de Santa Monica, California, filho de um jovem casal - um cozinheiro e uma secretária - que se separou pouco depois, Tobey habituou-se a uma vida de nómada, saltitando de escola em escola, de Estado em Estado. Ou melhor, desabituou-se: era um "teenager" angustiado que vomitava todas as manhãs com a perspectiva de ir para as aulas. A mãe, actriz frustrada, deu-lhe 100 dólares para frequentar um curso de arte dramática, quando Maguire pensava seguir a carreira do pai. Conheceu Leonardo DiCaprio num "casting", tornaram-se amigos, candidataram-se aos mesmos papéis: o actor de "Titanic" foi escolhido para contracenar com De Niro em "A Vida deste Rapaz" e Maguire remetido para um papel de quase-figurante.

"Melhor jovem actor do momento", segundo a sua "partenaire" Kirsten Dunst, namoradinha do Homem-Aranha (e já agora, de Peter Parker), "mesmo quando está quieto, comanda o ecrã", diz Raimi.

É verdade: vejam-no no início de "Homem-Aranha", com os seus típicos olhos esbugalhados, desenhando um sorriso porque a rapariga (Mary Jane, a personagem de Dunst) por quem está secretamente apaixonado parece finalmente ter reparado nele. Afinal, era só um equívoco: vai ser preciso esperar até que uma aranha geneticamente alterada o morda e o falhado Peter Parker deite fora os inestéticos óculos e ganhe massa muscular. E se nem sempre é Maguire por detrás da máscara -"Se virem um grande plano ou plano médio, ou o Homem-Aranha saltar dentro e fora do enquadramento, é o Tobey; se virem o Homem-Aranha suspenso de um 70º andar a voar sobre a Quinta Avenida, não é, definitivamente, o Tobey", explica Raimi -, o certo é que os melhores momentos não são os de acção, mas aqueles em que a personagem se debate com a sua dualidade. Ou quando o fascinado Peter Parker começa a explorar os seus recém-adquiridos super-poderes: trepar pelas paredes ou propulsionar teias a partir dos pulsos.

lutar pelo papel. Se é o sonho de qualquer rapaz vestir a pele de um super-herói, Maguire não é propriamente um exemplo: "Sinceramente, nunca tinha lido um livro de BD na minha vida antes de fazer este filme". O que é que o levou, então, a bater-se pelo papel de Homem-Aranha? "A minha reacção inicial foi de cepticismo: pensei que era mais um filme de acção de um grande estúdio. Mas depois soube que o Sam [Raimi] estava envolvido e isso deixou-me mais atento. Li e gostei do argumento. Apesar de haver uns tantos filmes na altura que também tinham hipóteses". Como, alegadamente, "Gangs of New York", de Martin Scorsese, ou o papel secundário em "Dia de Treino" com que Ethan Hawke se viu nomeado para os Óscares. "Deixei de perseguir esses filmes e mergulhei de cabeça na luta pelo papel de Homem-Aranha. Não foi fácil."

De facto. Antes de um longo processo de preparação física de cinco meses - musculação, artes marciais, dieta rigorosa, etc. -, foi preciso convencer os executivos do estúdio a sequer levarem Maguire em conta. O actor submeteu-se a um "screen test", mas foi inconclusivo. Raimi decidiu filmar um outro teste - o que habitualmente é considerado um insulto para actores com provas dadas - com cenas de acção, e passou uma noite a montá-lo para o apresentar aos executivos na manhã seguinte. Disseram-lhe: "Sabes que mais, Sam? Agora vêmo-lo como tu. Obrigado por nos teres mostrado quem é a personagem." E Maguire já assinou contrato para as próximas duas sequelas.

"Uma bela opção de carreira", atira uma impudente Kirsten Dunst. "Ele quer ter mais controlo e produzir. Agora tem mais hipóteses junto dos estúdios". Dunst imagina-o um estratego nos negócios. Para já, Maguire vai-se estrear como produtor em "The 25th Hour", de Spike Lee. Talvez o actor esteja a tentar combinar os seus talentos emergentes com o lema que constantemente assalta o Homem-Aranha: "Um grande poder implica uma grande responsabilidade." Grande admirador de Pacino, De Niro e Nicholson, "actores que investem apaixonadamente em cada projecto, em osmose com os autores", considera que, actualmente, "é impossível conseguir um bom papel". Talvez, mas não é todos os dias que um papel é tão debatido quanto o do Homem-Aranha. O mínimo que se pode fazer é repetir o que os executivos disseram: Obrigado por nos teres mostrado quem é a personagem.

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