Paula Moura Pinheiro ganha processo à SIC Gold

Tribunal reconheceu autoria à jornalista e condenou a TV de Balsemão a pagar 6400 euros

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Os dois contratos que a jornalista assinou com a SIC em 1992 eram omissos quanto a retransmissões Rui Gaudêncio/PÚBLICO

O Tribunal de Oeiras deu razão a Paula Moura Pinheiro no processo que a opunha à SIC Gold, por este canal ter retransmitido, sem a sua autorização, o programa Sexo Forte, de que é autora, editora e apresentadora.

A SIC tem agora que pagar à jornalista cerca de 6400 euros (1282 contos) acrescidos de juros de mora referentes a direitos de autor.

O tribunal não reconheceu, no entanto, a Paula Moura Pinheiro, o direito à indemnização que esta pedia a título de danos morais. E considerou ainda que a SIC tem direito a retransmitir os programas que produz sem pedir autorização ao seu autor, desde que pague as devidas remunerações de direitos de autor, mesmo quando o contrato é omisso, como era o caso.

Sexo Forte foi o primeiro programa de televisão de Paula Moura Pinheiro e passou na SIC entre Janeiro e Julho de 1993, em duas séries de 13 episódios de uma hora cada, sempre em horário nobre. A jornalista deixou de colaborar com aquela estação em 1995, mas o seu programa acabou por ser retransmitido, através do canal por cabo SIC Gold, no Verão de 2000, mesmo depois de a jornalista se ter oposto.

Francisco Penim, director do canal, propusera-lhe o pagamento de 50 euros pela repetição de cada episódio, mas Paula Moura Pinheiro, considerando tal valor ridículo, e "até uma ofensa", recusou, pedindo 5000 euros (mil contos) pelo total dos 26 programas. O director não aceitou e a jornalista não autorizou a retransmissão. Mas ela acabou por acontecer. Quando se apercebeu de que o programa estava no ar novamente, Paula Moura Pinheiro decidiu avançar com uma acção em tribunal.

Em tribunal, a SIC defendeu que os direitos de autor lhe pertenciam por se tratar de "uma produção própria" e por ser a detentora do registo da marca Sexo Forte - apesar do título ser da autoria de Paula Moura Pinheiro. De acordo com o texto da sentença, a que o PÚBLICO teve acesso, a SIC alegou que "apenas retransmitiu dois episódios" e que "as produções próprias de um operador de televisão destinam-se a serem transmitidas pelos seus canais emissores sem limite de retransmissões".

Autorização desnecessária, mas pagamento obrigatório

Segundo a sentença, o tribunal acabou por considerar que "a autoria do programa pertence, sem sombra de dúvida, a Paula Moura Pinheiro, sua verdadeira 'alma mater'", e que "a titularidade dos direitos autorais assistem unicamente" à jornalista; a SIC "limitou-se a colocar à disposição da autora os meios técnicos e humanos necessários". E considerou igualmente que a SIC "não necessitava da autorização", já que a lei estipula que se o produtor da obra for um organismo de radiodifusão é-lhe permitido retransmiti-la sem autorização especial desde que no mesmo canal que o produziu. Mas ainda assim é seu dever legal remunerar a autora.


Os dois contratos que Paula Moura Pinheiro assinou com a SIC eram omissos em relação aos direitos da retransmissão - muito menos tinham qualquer alusão a outro canal que não a SIC, pois a estação de Carnaxide ainda nem sequer dispunha de qualquer projecto para o cabo, e a SIC Gold só apareceu em 2000 - , mas estipulavam que os direitos de autor "serão da sua [da jornalista] exclusiva propriedade".

Tendo consultado o mapa de programação da SIC Gold, o tribunal constatou que o canal efectuou 44 repetições de episódios. Tendo em conta que a lei estipula que se pague, pela retransmissão de uma obra, 20 por cento do primitivamente fixado, o tribunal estatuiu em 6398 euros (1282 contos) o valor a pagar a Paula Moura Pinheiro - a que acrescem juros de mora -, reduzindo quase para metade o valor inicialmente pedido pela jornalista (11.438 euros, perto de 2300 contos). E acabou por não dar provimento ao seu pedido de uma indemnização de 3740 euros (750 contos) a título de danos morais.

"Sentença exemplar"

Para Paula Moura Pinheiro, esta é "uma sentença exemplar, que pode fazer jurisprudência", e que "serve para esclarecer muitas dúvidas que ainda pairam sobre os direitos de autor". Opinião reiterada pelo seu advogado, Francisco Teixeira da Mota, segundo o qual "a decisão é um bom avanço na concretização da defesa dos direitos de autor". No entanto, realça, "o seu impacto é hoje reduzido, pois tanto a SIC como as outras operadoras actualmente já se precavêem contra situações destas. Incluem tudo nos contratos, prevenindo os diversos cenários e salvaguardam, logo à partida, os seus direitos."


Pelo lado da SIC, o advogado José Manuel Durão considera que não ganhou nem perdeu e que "o juiz deu um pouco de razão a cada uma" das partes. "São contratos de 1992, quando toda a gente, operadores e criadores, estava a aprender a lidar com uma realidade audiovisual diferente, com a abertura das estações privadas. São ainda incipientes", afirma o jurista. Entretanto, o panorama foi mudando e "a preocupação por uma maior especificação dos contratos, pela acautelação dos direitos de ambas as partes, cresceu exponencialmente". Hoje, diz, "estas questões já estão todas previstas nos contratos".

Para José Manuel Durão, o juiz podia ter sido ainda mais preciso: "Uma repetição através do cabo, como é o caso, deveria ser necessariamente menor remunerada do que uma retransmissão num canal de sinal aberto. O espectro é menor, bem como o são as receitas de publicidade e o público." Ambas as partes decidiram não recorrer da sentença.

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