Jodie Foster Mãe Coragem

Em "Sala de Pânico", Jodie Foster deixou-se encerrar num claustrofóbico jogo do gato e do rato. Podia ser um ou outro filme anterior da actriz - como "O Silêncio dos Inocentes" -, mas é o último "thriller" de David Fincher, que sempre gostou de "brincar" com as personagens dos seus filmes. Aqui, parece estar disposto a fazer mal a Jodie. Até que ela sai da toca... O Y iludiu o medo e entrevistou-a.

Quando Jodie Foster assumiu o papel principal em "Sala de Pânico", substituindo Nicole Kidman (que abandonou as filmagens ao fim de duas semanas, depois de se ter magoado no joelho), a actriz galardoada com dois Óscares da Academia estava a realizar um sonho pelo qual ansiava há muito: trabalhar com David Fincher, cujos filmes anteriores, "Seven" e "Clube de Combate", lhe valeram o epíteto de um dos realizadores mais criativos de Hollywood.

Na altura, Jodie ainda não sabia que estava grávida. "Normalmente, a gravidez não seria um problema, mas este foi o filme mais longo que alguma vez fiz, com mais de cinco meses e meio de rodagem, e perto do final magoei-me uma vez ou outra. Portanto, foi um pouco duro", ri-se agora Foster, provavelmente de alívio. "E assim que o filme terminou, tive que ficar na cama até ao nascimento do meu filho. A gravidez não é uma incapacidade, é pura e simplesmente uma realidade, como eu dizia vezes sem conta durante a rodagem", diz, baixando a voz, para assumir maior gravidade.

O "thriller", que é uma espécie de jogo de gato e rato, não deixa de evocar "Calma de Morte" (1989, de Phillip Noyce), considerado a rampa de lançamento para o estrelato de Nicole Kidman - e até mesmo, "Os Outros", de Alejandro Amenábar, também com a actriz australiana. "Sala de Pânico" era um filme que exigia agilidade física, e mesmo que, a dada altura, tivesse deslocado a anca, Jodie conseguiu cumprir o seu papel até ao fim.

Foster está decididamente com boa disposição agora que tudo isso já faz parte do passado. E, o que não é muito habitual, tem viajado por todo o mundo para promover o filme, no qual demonstra bastante orgulho. Teria Kidman interpretado de forma diferente? "Cada actor é diferente até pelo próprio físico", nota Foster, acrescentando diplomaticamente: "Nicole tem pelo menos mais 30 centímetros do que eu".

Foster, que está prestes a completar 40 anos, é de baixa estatura, mas, em contrapartida, tem uma forte presença. Vestida com um fato lilás, blusa creme e sapatos beige pontiagudos, tem uma aparência radiante - o retrato feliz de uma benção maternal e profissional. Mas o que realmente a destaca dos demais actores é a sua inteligência. Poucos conseguem ultrapassá-la. Não é que ela faça grande alarido do seu domínio perfeito do francês (estudou no selecto Lycée Français de Los Angeles), que surpreende até os próprios franceses nas suas frequentes viagens a Paris (onde, pessoalmente, faz a dobragem de todos os seus filmes). Jodie parece antes ser uma rapariga simples, disposta a responder a qualquer pergunta - excepto, claro está, sobre a sua vida pessoal e a identidade do pai dos seus dois filhos.

Quando questionada sobre os honorários do filme (pelo qual, supostamente, recebeu 10,5 milhões de dólares, enquanto por "Ana e o Rei" há três anos, foram 15 milhões), o agente da actriz veta a pergunta como sendo inconveniente. No entanto, Foster, como sempre, quer explicar. "Não faz muito sentido declarar números. Adoro ir ao cinema e pagaria os mesmos nove dólares para ver o 'Moulin Rouge' ou um pequeno filme independente. Acho que desmistifica a experiência de ir ao cinema se as pessoas ficarem a saber demasiado sobre as realidades corporativas de como os filmes são feitos".

Seguramente, Foster não é uma pessoa sem fortuna, mas tem sabido conservar a sua integridade por não andar atrás do dinheiro e só aceitar trabalho quando se encontra em excelente forma. "Adoro fazer filmes, mas para trazer algo de especial ao écrã, um actor tem de ter alguma experiência de vida. É preciso ter lido alguns livros, viajado um pouco, e vivido pura e simplesmente. Acho que os actores que não fazem senão trabalhar não evoluem. Pode-se fazer isso no início de carreira, quando estamos ansiosos por nos fazermos notar, mas agora é difícil encontrar um argumento interessante sem ser de dois em dois anos. Quero fazer filmes em que esteja verdadeiramente envolvida, pelos quais esteja quase disposta a morrer."

pequena grande actriz.

Olhando para a sua filmografia, poder-se-ia levar esta última afirmação à letra. Escapando aos traumas que habitualmente rondam as ex-crianças estrelas (veja-se o caso de Drew Barrymore), Foster soube construir uma carreira sólida. Talvez por ser mais motivada do que a maioria dos actores que se iniciaram muito cedo no cinema, a pequena Jodie, criada e moldada por uma mãe solteira num lar "disfuncional", metamorfoseou-se numa das actrizes mais respeitadas da sua geração. Os críticos elogiam-lhe o profissionalismo, sobretudo devido ao odor de controvérsia que emergiu no início da carreira: teve um papel central numa tentativa de assassinato de Ronald Reagan em 1981, quando John Hinckley atirou sobre o presidente americano para impressionar a actriz.

Começou aos três anos, posando nua para um anúncio da locção Coppertone, o que a levou a pequenas aparições nas séries The Partridge Family e Adams Family. Não demorou muito a levar a representação a sério, inspirando-se no talento de Robert De Niro, quando aos 14 anos fez o papel de uma prostituta de 12 anos em "Taxi Driver" (1976). Já na adolescência desafiava os estereótipos fazendo o papel de adolescentes atrevidas - sem nunca se transformar num objecto sexual. Em "Alice Já Não Mora Aqui" (1974), também de Martin Scorsese, ensinava o filho da protagonista a roubar cordas de guitarra numa loja de música e desafiava-a a tomar drogas. Era como se Foster tivesse feito tudo isso desde tenra idade. A sua voz rouca - chamavam-lhe "Froggy" (rãzinha) na escola - ajudou bastante. Adrian Lyne, que a dirigiu num filme, "Gatonas" ("Foxes", 1980), que marca o fim desse período em que Foster interpretava papéis de adolescente precocemente adulta, afirmou na altura: "Sentia-se que ela era mais madura do que a mãe".

A auto-confiança da actriz espantou os críticos no Festival de Cannes, quando fez de intérprete de Scorsese na conferência de imprensa de "Taxi Driver". Além deste, Foster tinha outros três filmes para promover. O sucesso foi aumentando, atingindo o pico, antes dos 30 anos, com os óscares de melhor actriz pelos filmes "Os Acusados" (1988) e "O Silêncio dos Inocentes" (1991) - já tinha sido nomeada anteriormente como melhor actriz secundária com "Taxi Driver", e foi-o ainda, como melhor actriz, com "Nell" (1994) . Até agora, fez 36 filmes e realizou dois: "Mentes que Brilham", em1991 (no qual também foi a actriz principal e onde admite existir uma afinidade autobiográfica com o pequeno filho sobredotado de uma mãe solteira) e "Fim-de-Semana em Família" (1995).

predador ou presa?

"Sala de Pânico" é o último de uma linha de filmes em que Foster se posiciona como alvo de um jogo predatório que, no limite, ela inverte, ao passar à acção. Basta recordar a perseguição final de "O Silêncio dos Inocentes": nesse filme em que a agente Clarice Starling procurava mostrar-se à altura de todos (da inteligência de Hannibal Lecter, das expectativas do seu chefe do FBI), apesar da sua expressão de terror ao penetrar em casa do "serial killer", a protagonista não se afastava um milímetro do objectivo - apanhá-lo. Quem era predador e quem era presa?

Algumas sequências do filme de David Fincher evocam inevitavelmente o papel de Foster em "O Silêncio dos Inocentes". Espécie de cruzamento entre Hitchcock (inevitável "Janela Indiscreta") e "A Semente do Diabo", de Polanski, "Sala de Pânico" conta a história de uma recém-divorciada Meg Altman (Jodie Foster), e da sua filha pré-adolescente, assaltadas logo na primeira noite que passam na sua nova mansão em Manhattan. Elas refugiam-se na sofisticadassíma e minúscula "sala de pânico" - um verdadeiro "bunker" com sistema de ventilação, linha telefónica e abastecimento de emergência autónomos, mas, acima de tudo, com monitores de vigilância -, enquanto travam uma batalha com a destreza mental de três intrusos (interpretados pelos actores Forest Whitaker, Jared Leto e Dwight Yoakam), em busca de um tesouro escondido.

Inevitavelmente, Foster - filmada sob uma luz glacial, clínica - acabará por sair do seu refúgio, como um rato da toca, para se confrontar com os invasores. Quem é predador e quem é presa?

"Acho que o elemento central do filme é o facto de ela se mudar para uma casa de que não gosta", diz a actriz sobre a sua personagem. "Ela tem um mau presságio acerca disso: não gosta da 'sala de pânico', por isso não se sente segura lá, mas deixa-se convencer por todos julgando que é uma boa maneira de se vingar do marido porque ele pode dar-se ao luxo de pagar. Ela vai para essa casa pelas razões erradas e não dá ouvidos aos seus instintos - por isso é que se mete em sarilhos."

Será a história particularmente pungente para Foster como mãe? "Sim, com certeza. Já fiz de mãe em filmes anteriores e penso em mim como sendo uma figura maternal. Já tinha um filho de três anos e meio, mas é verdade que me sinto atraída por coisas que têm a ver com maternidade e psicologia."

Até no filme, Foster parece determinada em ser boa mãe: completamente concentrada no bem-estar da filha, revela-se tão inventiva quanto MacGyver e doentiamente dedicada ("Fico enjoada só de pensar o quanto gosto de ti", diz ao aconchegar a filha na cama, à noite). A maior revelação do filme é a talentosa jovem Kristen Stewart, que interpreta a filha. "Ela é uma grande actriz, uma pessoa maravilhosa", diz Foster. "Acho que uma das grandes recompensas do filme foi estar trancada no quarto com ela o tempo todo". Stewart invoca uma enorme semelhança com a esguia Foster em "Taxi Driver" e nos seus primeiros papéis no cinema: uma adolescente prematuramente adulta e irreverente, marcada por um lado sombrio - a doença. Jodie é a primeira a admitir. "Ela é igualzinha a mim. Diria que ela é mais forte do que eu era, e um pouco mais nova do que eu era quando fiz 'Taxi Driver', ela está mais na idade que eu tinha quando fiz 'Alice já Não Mora Aqui'. Tem 10 anos mas parece bastante mais velha".

próxima meta: realizar

Embora afirme que a maternidade é "um desafio, com dois rapazes que têm tanta energia", Foster aprendeu a lidar com isso, e assegura que se vai deitar por volta das 21h30. "Sou uma daquelas pessoas que quando vão para a cama tem de estar tudo muito bem arrumadinho à sua volta, mas cheguei à conclusão que tenho que sacrificar algumas coisas. De vez em quando tenho que dizer 'Bem, acho que esta noite não vou deixar nada arrumado'."

Nada, no entanto, que ameace afastá-la do cinema. "Devo dizer que a minha próxima grande meta é a realização. Sou uma realizadora jovem, só fiz dois filmes, mas estou realmente desejosa de aprender mais sobre a realização e exprimir o meu ponto de vista. Quando estou a fazer um papel, interpreto uma personagem completamente diferente de mim, mesmo que me possa relacionar com ela e com o filme. Mas os filmes que eu realizo têm muito a ver comigo".

Foster vai ser vista brevemente em "The Dangerous Lives of Altar Boys", de Peter Care, do qual foi também produtora - a tarefa que menos lhe agrada - e onde, curiosamente, contracena com outro "child actor", Kieran Culkin, o irmão de Macaulay Culkin ("Sozinho em Casa"). Estava prestes a realizar o seu terceiro filme, "Flora Plum", quando o protagonista Russell Crowe, que veste a pele de um artista circense, se feriu no ombro. "O filme vai ser feito um dia", diz. "É um argumento absolutamente maravilhoso. Foi de partir o coração quando tivemos que desistir." Mas tudo isso fez com que, em contrapartida, entrasse em "Sala de Pânico". E está já a preparar a sua próxima realização, um filme biográfico sobre a cineasta alemã Leni Riefenstahl, autora do documentário conotado com a propaganda nazi "O Triunfo da Vontade" (1935). "Não se pode mencionar o nome dela sem que isso levante uma acesa discussão", diz Foster sobre Riefenstahl, actualmente com 98 anos. "Acho que temos a responsabilidade moral, enquanto artistas, de sermos profundos e sérios naquilo que fazemos. Ela não o foi, mas será que isso é um crime? Não sei. Consigo imaginar muitos de nós a cair nas mesmas armadilhas que ela naquelas circunstâncias. Vai ser um filme muito complicado", afirma sobre o projecto, ainda em fase de escrita. "Acho que isso é uma das coisas que sei fazer bem: experimentar desafios morais muito complexos e apontar um novo caminho". Certamente que, depois de "Sala de Pânico", a ideia da mulher sozinha em casa, indefesa, vai mudar.

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