Educação Sexual

Quando se olha para a filmografia do mexicano Alfonso Cuarón, especialmente para a desinteressante e pretensiosa adaptação de "Grandes Esperanças" de Dickens, poderia esperar-se tudo menos este olhar fresco e vivo sobre a sexualidade adolescente. Com efeito, entramos neste filme como numa pequena festa dos sentidos: dois jovens amigos fazem as suas despedidas sexuais das respectivas namoradas de partida para a Europa, depois trocam brincadeiras mais ou menos pouco inocentes, até que encontram numa festa de casamento a mulher espanhola do primo de um deles, Luisa, propondo-lhe uma viagem a um lugar imaginário, uma praia paradisíaca com o apropriado nome de Boca del Cielo.

Entre as técnicas de engate e uma ingenuidade fruto da pouca experiência de vida, Julio (será ocasional que o apelido seja Zapata?) e Tenoch (de uma grande e corrupta família) são apanhados pela sua própria ficção e partem, com Luísa, para uma viagem cega. Passamos então da comédia urbana, num México aparentemente desenvolvido e cosmopolita, para o "road movie", a percorrer o país profundo, da turbulência da masturbação na prancha de uma piscina vazia, para ejaculações precoces com a cobiçada "prima".

O que começara por ser um plano de conquista abre perigosas caixas de Pandora: os dois amigos vão-se separando, quando a perturbante presença de Luísa (forte presença de Maribel Verdu), guia inesperada de uma acelerada educação sexual, os leva a não desejadas confidências - cada um deles teria dormido com a namorada do outro, até a mãe de Tenoch (e daí o irónico título) teria estado envolvida nas aventuras dos dois pequenos machos em busca da sua sexualidade afirmativa. Os dois "charolastras" parecem dominar todo o processo, mas revelam-se sempre demasiado vulneráveis.

Detenhamo-nos no acompanhamento da sinopse, que é tão (e ao mesmo tempo tão pouco) importante para a economia narrativa desta comédia de aprendizagem. É que, desde o início, somos confrontados com um poderoso processo (quase godardiano) de distanciamento: o som suspende-se, no que parece ser uma falha técnica, e a voz do narrador sobrepõe-se aos diálogos, comentando a acção, fornecendo elementos que não possuíamos, antecipando o que não teríamos hipótese de conhecer. Esta voz omnisciente de "deus ex-machina" contextualiza politicamente a aventura e interpreta os lapsos das personagens. Mais do que isso, a voz neutra, vinda do interior do desejo de contar, confere ao filme uma dimensão romanesca inesperada: o que fora uma simples crónica geracional, vai evoluindo para um romance de formação, complexo e fascinante.

As personagens principais, prodigiosamente interpretadas por Diego Luna (de "Antes que Anoiteça"), e Gael Garcia Bernal (de "Amores Perros" - há uma energia especial, que lhes vem do facto de serem amigos de toda a vida), elevam-se à altura de heróis de uma autodescoberta não provocada numa paisagem encenada pela surpresa. Afinal, a inventada Boca do Céu existe. Descobrem-na os três membros da "sagrada trindade", do barco de um nativo que conduz turistas na região. Com esta descoberta, vem outra bem mais terrífica: os dois rapazes intuem na noite de amor com Luísa uma atracção nunca assumida (nem antes, nem depois) um pelo outro. A mulher mais velha, mais experimentada e em processo de autodestruição (viremos a saber da última conversa entre os dois amigos e, sobretudo, do comentário do narrador, que Luísa estava doente em fase terminal) joga o jogo do sexo e nomeia, aliás, o que cada um deles não quer ouvir.

Regressados à cidade e às suas vidas, depois de um intervalo penoso no paraíso, Tenoch, com o peso do seu nome azteca e toda um programa familiar para cumprir, vai a caminho do papel que romance do real lhe destinou - não só se afasta de Julio, como de todo o grupo que se desmembrou. Nas entrelinhas, temos pois uma visão estilhaçada da situação política de um país, coada da melhor maneira possível, como pano de fundo para a educação sentimental e sexual dos nossos heróis. O casamento na praça de touros (durante o qual se forja o trio que faz avançar a acção), com a presença do Presidente da República e as informações mínimas sobre as negociatas dos pais de Tenoch, dá o tom e cruza-se com a história em perda de uma geração, ainda a descobrir o mundo e já a fugir dele.

E desta desbragada pequena comédia sexual escapa-se um olhar nostálgico sobre a renúncia e sobre a inocência perdida, uma poética serenidade sobre os amores impossíveis num mundo de compromissos e hipocrisias.

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