Ascensão e Queda na China

Nos anos 80, Chen Kaige foi um dos expoentes (ao lado de Zhang Yimou, que começou por ser o seu director de fotografia) da chamada "quinta geração" do cinema chinês, aquela que foi capaz de voltar a conferir a esta cinematografia uma visibilidade internacional, multi-premiada em vários festivais e apoiada pela crítica.

A aposta na elaboração formal como maneira de tecer uma complexa grelha de análise ideológica e histórica deu os seus frutos - os filmes podiam ser incómodos para o regime chinês, mas o interesse que suscitavam no exterior obrigavam a uma razoável dose de tolerância, o que também não deixava de funcionar, para as autoridades chinesas, como uma espécie de propaganda heterodoxa. Em filmes como "Terra Amarela" (1984), "A Grande Parada" (1986) e "O Rei das Crianças" (1988), Chen Kaige prosseguiu um programa pessoal de reflexão (e inerente confrontação) com o passado e o presente da China, no que terá sido um dos polos cinematográficos mais interessantes da década de 80.

Nos anos 90 a situação mudou um pouco - foi o tempo em que a "quinta geração" começou a revelar sinais de academização, quando não de esgotamento criativo. No caso de Chen Kaige, isso não correspondeu a uma perda de ambição (basta recordar "Adeus, Minha Concubina", o último filme deo cineasta estreado em Portugal), mas antes uma incapacidade de superar as malhas que ele próprio tinha tecido. Passou a haver uma previsibilidade demasiado carregada, uma espécie de estilização adaptada às expectativas ocidentais, e a agilidade e a frescura formais foram-se perdendo.

"O Imperador e o Assassino" exemplifica bem essa queda. O projecto é, novamente, ambicioso: trata-se de contar a "fundação" da China (estamos no século III antes de Cristo, a China está dividida em sete reinos e o mais forte de entre eles, o reino de Qin, procura, menos do que unificar o território, anexar os outros), conciliando o "fresco" histórico com o lado mais sussurrado das intrigas palacianas.

A estrutura narrativa é complexa, dividida em blocos cuja relação temporal nem sempre é clara, e há a preocupação de não encarar cada personagem como mera figura histórica, sobrepondo a esse estatuto uma série de motivações e angústias pessoais.

Por outro lado, dir-se-ia vislumbrar aí alguns sinais de indecisão quanto ao filme que "O Imperador e o Assassino" quer ser: uma "shakespeareana" meditação sobre as motivações do poder e dos grandes actos políticos, com a submissão das personagens a um destino que as supera e de que elas se transformam em meros intérpretes, ou, no polo oposto, uma assunção plena da aventura histórica, pragmática e movimentada?

A resposta estará algures num meio termo um tanto ou quanto desenxabido, porque "O Imperador e o Assassino" nunca é suficientemente abstracto nem "concentrado" para caber por inteiro na primeira hipótese, nem suficientemente delirante para se enquadrar na segunda - apesar de algumas sequências onde a coreografia das movimentações militares permite lembrar o Kurosawa de "Kagemusha" ou de "Ran" (mas não é caso para evocar, como já alguém evocou, as delirantes fantasias históricas de DeMille). Mas o pior é o modo como, independentemente desta indecisão, o filme parece ir morrendo aos poucos -é daqueles casos em que parece que o próprio realizador não acredita muito no que está a fazer.

"O Imperador e o Assassino" transforma-se numa coisa maquinal, a complexidade da relação a quatro entre os dois monarcas rivais, a personagem de Gong Li e a personagem do assassino (que podia ser o sustento do lado mais interiorizado do filme e ainda é o seu aspecto mais interessante) vai-se perdendo numa estrutura que pulveriza em vez de aproximar - e neste caso as três horas de duração são um problema, talvez justamente uma montagem mais concentrada permitisse encontrar um centro mais sólido e mais enérgico. Mera hipótese, em que acaba por ser mais estimulante pensar do que no pálido "fresco" que "O Imperador e o Assassino" afinal de contas é.

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