Corruptor

A primeira questão que se levanta, quando se fala de James Foley, prende-se à possibilidade de detectar um estilo próprio em filmes tão diferentes como "At Close Range", "Glengarry Glen Ross" (um valorizadíssimo pastelão a partir da peça de David Mamet), ou este "Corruptor", concebido à partida para veículo de um dos actores mais carismáticos de John Woo (mas também de outros dos nomes maiores da cinematografia de Hong Kong, Ringo Lam ou Tsui Hark), Chow Yun-Fat, cuja estreia americana em "The Replacements Killers" não correspondeu a antigos esplendores. Com efeito, com John Woo, a máscara tensa e impenetrável de Chow, misto de Clint Eastwood, Monty Clift e Alain Delon, fora aproveitada para conferir densidade às acções sinfónicas do mestre chinês, explorando, em simultâneo, a sua intensa masculinidade e uma ambígua presença melíflua, perfeita para encaixar em filmes de homens, de amizades particulares, permitidas por estritos códigos de honra e de lealdade. Não por acaso, James Foley cola-se a esta "persona", fazendo do detective Nick Chen uma figura de complicados contornos, corrupto por factores circunstanciais, impoluto nas relações como seu par, Danny Wallace, como na encarniçada protecção, quase assexuada, à prostituta May, basicamente uma ideia de mulher sem corpo. O argumento parte de bem conhecidas premissas: na Chinatown de Nova Iorque, dois bandos, duas gerações e dois conceitos diversos do crime organizado, digladiam-se e para a esquadra maioritariamente constituída por orientais é destacado um elemento estranho, Wallace (o excelente Mark Wahlberg, estrela de "Boogie Nights" a quem Foley dera o primeiro papel importante em "Fear"), que vem a saber-se estar em missão de investigação para os Internal Affairs, organismo de controlo interno da polícia. No entanto, se misturarmos na acção um agente oculto do FBI, o afrontamento entre instituições governamentais, quase em paralelo com as Mafias chinesas, mais os costumeiros problemas de emigração clandestina, não teremos a inteira dimensão do conflito trágico que se vai esboçando. Com um brilho visual que cita de John Woo (insistentes e belíssimos os picados verticais sobre os objectos e sobre a cidade), Foley aspira a centrar tudo na inevitabilidade da queda, na força catártica da expiação da culpa e na força trágica da traição, convertida em reconciliação dos irmãos desavindos. Na sequência do barco, em que Chen deve "entregar" Wallace aos seus carrascos, dá-se uma reviravolta e o par alia-se contra os inimigos comuns depois de um silencioso campo/contracampo, expondo-os de revólver em punho um contra o outro. A morte final e o cortejo policial encenam essa tragédia sem reequilíbrio possível. Porém James Foley não é John Woo, nem é Howard Hawks, mestre destas conivências e contradições no masculino: não só não resiste a uma anti-climáctica cena de desforra com o agente da FBI, nos corredores do hospital, onde conviria uma elipse, como insiste num "pastiche" estilístico, que acaba por soar a oco. Trata-se de um mau filme? Nem por sombras; está muito acima da maior parte dos "thrillers" policiais de série com que nos bombardeia e tem momentos de grande intensidade. O problema passa por saber (fechemos o círculo) que cinema quer fazer James Foley. Um "pastiche" de Hong Kong, porque está na moda? A dúvida fica para resolver mais tarde, ou não.

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