A Carta

Há em "A Carta" coisas fulgurantes, como a fabulosa mãe de Françoise Fabian, ou as sequências do convento, estabelecendo um diálogo entre as almas geminadas de Leonor Silveira e de Chiara Mastroianni, sobre o olhar protector do catolicismo mais ultramontano, representado pela madre jansenista. Belíssima é ainda a ideia de actualizar a rigidez dos códigos do amor, no romance de Madame de Lafayette, encontrando contraditórias correspondências nas perplexidades de um presente sem respostas claras para as questões éticas que se levantam. O que falha então? Desde logo, o "boneco" de Pedro Abrunhosa, demasiado caricatural, revelando uma total incompreensão de um fenómeno mais sociológico do que musical: a pose de engatatão sonâmbulo não colide de forma produtiva com a moralidade revisitada em "La Princesse de Clèves", antes detrói toda a tensão dramática e torna cómico, às vezes involuntariamente, e banal o que deveria ser pungente e complexo.

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