O Oposto do Sexo

Comédia de costumes, e uma das surpresas do ano: "O Oposto do Sexo", de Don Roos. No centro, uma jovem ninfomaníaca e neurótica (Christina Ricci), que foge com o namorado do irmão homossexual, que mata o amante que só tem um testículo, e que conta todas as outras peripécias deste "soap" com uma voz tão cínica que transforma um inacreditável melodrama sexual numa hilariante comédia negra. Que foge do politicamente correcto como da peste. Don Roos poderia ter optado por um banal registo de comédia, mas encontrou um verdadeiro "ovo de Colombo", uma narrativa de primeira pessoa, cínica e distanciada, que dá voz a uma personagem feminina apresentada em apostar-se como a má da fita. Desde os primeiros planos de "O Oposto do Sexo", a "voz off" dá sinal de que o som comanda e modifica a imagem, criando zonas de encontro e afastamento entre a acção e o seu comentário verbal. No entanto, quando cremos que estamos no domínio da ilustração, depressa nos apercebemos que outros mecanismos de manipulação entraram em cena. Aliás, um dos artifícios usados com maior eficácia é o da antecipação: a protagonista, interpretada pela fabulosa Christina Ricci, misto perverso de Alice e de Lolita, chama desde o início a atenção para o facto de estar armada, preparando-nos para a perda do elemento surpresa na evolução deste inacreditável melodrama sexual, mascarado de "thriller romântico" e revestido, sobretudo por via da intervenção da voz da narradora, em hilariante comédia negra.

Qualquer tentativa de esboçar uma sinopse dá bem a dimensão do que está em jogo: uma jovem sulista, ninfomaníaca e neurótica, que tem um amante com um só testículo e que foi violada pelo padrasto, manifesta a sua alegria pela morte deste, zanga-se com a mãe e refugia-se em casa do meio-irmão, professor, homossexual assumido, e "viúvo" de um jovem vítima da Sida. Uma vez instalada, a "encantadora" menina atrai o novo namorado do irmão, de quem se finge grávida, foge com ele, e vai chantagiando, com a ajuda do citado homem com um só testículo, que entretanto se lhe juntou, tanto o inconsolável meio-irmão como a "cunhada" deste, irmã do rapazinho que morrera com Sida (ainda se lembram de quem era?) não sem antes ter amealhado uma enorme fortuna no tempo dos "yuppies". Já chega como amostra? Mas ainda há mais: a chantagem estende-se a um jovem que assevera ter sido assediado pelo prof Martin Donovan, longe das profundezas dos filmes de Hal Hartley, mas construindo um curioso retrato de dignidade homossexual não muito abundante nas ficções cinematográficas americanas. Os dois cunhados procuram o casal fugitivo, a sacrossanta Christina Ricci mata acidentalmente o homem com um só testículo, escapa para o Canadá, dá à luz um menino (a primeira preocupação é com o número de testículos do novel infante) e regressa aos States para enfrentar a justiça. Quando está sob vigilância, e é Martin Donovan quem assume o papel de pai e mãe da criança, aparece um belo agente encarregado da liberdade condicional que se apaixona pelo professor homossexual e, assim, acaba tudo em bem com a protagonista-narradora a persistir na sua insistência de que não presta: a "má da fita" acaba por ser uma espécie de fada benfazeja, do casal homossexual e da estrutura do filme.
Sugerir correcção
Comentar