"Há uma forte possibilidade de fuga de poupanças" , diz Cavaco

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Cavaco diz que Portugal se arrisca a perder o comboio da mundialização Público

Portugal arrisca-se a perder o comboio da mundialização e da competitividade, se não fizer um rápido esforço de adaptação de alguns dos instrumentos de política económica e social. Este cenário pouco animador foi traçado pelo ex-primeiro ministro português Aníbal Cavaco Silva em declarações ao PÚBLICO após a sua intervenção, ontem, no colóquio "Novos desafios da economia social de mercado", no segundo dia do XIV Congresso do Partido Popular Europeu que hoje termina em Berlim.

Cavaco Silva deslocou-se à capital alemã a convite do PPE na sua qualidade de signatário do Tratado de Maastricht - os democratas-cristãos, moderados e centristas europeus decidiram homenagear nesta convenção os chefes de Estado e de Governo que em 1992 assinaram Maastricht. O ex-primeiro-ministro integrou o painel de especialistas convidados para debater a transformação de uma sociedade industrial numa sociedade dominada pela informação e os riscos, vantagens e interrogações que a mudança de paradigma coloca ao modelo europeu da economia social de mercado. O fórum foi moderado pela presidente da CDU alemã, Angela Merkel, teve como outros oradores a ministra dos Negócios Estrangeiros búlgara, Nadeschda Michailova, a comissária europeia luxemburguesa Viane Reding, e o ex-ministro do Ambiente alemão e actual director da UNET (organização das Nações Unidas para o ambiente), Klaus Toepfer. Expressando-se em português perante os delegados, o ex-primeiro-ministro sublinhou que a nova economia tem inúmeros efeitos positivos sobre a vida dos indivíduos, mas advertiu que os ganhos da globalização não se distribuem equitativamente e existem vencedores e derrotados. Do lado dos beneficiados situam-se aqueles que dominam o conhecimento e o uso das novas tecnologias, as empresas que promovem a inovação e os países com elevado potencial de capital humano e que dispõem de boas infra-estruturas físicas e económicas. Para minimizar o fosso no plano internacional, a Europa solidária e uma ordem económica "com coração" deverão reforçar os seus programas de apoio aos países pobres. "Mil e 300 milhões de pessoas vivem com um rendimento diário inferior a um dólar", recordou.
De acordo com Cavaco Silva, os Estados devem, no traçar das suas políticas públicas, prestar uma especial atenção à componente fiscal, de forma a atrair poupança e investimento, conter a despesa pública e promover a flexiblização do mercado de trabalho.

Competitividade portuguesa em causa

"Receio que na actual concepção de algumas políticas em Portugal não se esteja a tomar em devida conta a nova realidade da globalização e das tecnologias da informação. Penso, por exemplo, nas alterações fiscais que recentemente foram feitas", afirmou ao PÚBLICO o ex-governante. "Quem aprovou esta alteração fiscal desconhece as consequências que a tributação das mais-valias tal como agora foi introduzida pode ter. Sob a forma de efeitos muito nocivos sobre o crescimento económico, sobre o emprego e mesmo sobre a justiça social. Porque não tem em devida conta a facilidade com que os capitais e as empresas se podem deslocar para outros países", prosseguiu. "Quem fez essa reforma parece não saber que quem paga os impostos ao Estado pode não ser quem está a suportar a carga fiscal; por exemplo, se se aumenta a tributação sobre os lucros das empresas, estas podem aumentar os preços e deslocar a carga fiscal para o consumidor." Segundo Cavaco Silva, a reforma fiscal encerra ainda outros perigos: "Há uma possibilidade muito forte de fuga de poupanças para o estrangeiro. Existe o risco de Portugal não ser capaz de competir nem com Espanha, nem com a Itália, Irlanda, nem com os países de Leste candidatos à adesão. Mesmo empresas portuguesas podem constituir unidades noutros países." Outros motivos de preocupação para o ex-primeiro ministro são o facto de os custos suportados pelas empresas por empregarem uma só pessoa serem demasiado elevados. Assim "Portugal pode não ter condições de competir com outros países", tendo também em conta as lacunas no campo educacional. "Os dados disponíveis não nos dão muito optimismo. Somos um dos países que mais gasta em educação e que menores resultados obtém. Hoje é decisivo para um país recuperar os atrasos nesta matéria." Na óptica de Cavaco Silva, é necessário preparar os professores para transmitirem os conhecimentos necessários à actual sociedade da informação e convencer os sindicatos a pôr fim às resistências no tocante a uma avaliação de professores.

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