Papa Francisco volta a levar o “lava-pés” para dentro da cadeia

Pela quarta vez, o Papa deslocou-se a uma prisão para o rito do “lava-pés” aos reclusos. É um gesto que marca a sua decisão de pôr o seu pontificado ao serviço da misericórdia e das periferias. A cerimónia do "lava-pés" está disseminada um pouco por todo o lado e também existe na maioria das cadeias portuguesas.

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Papa Francisco nesta quinta-feira, em Roma Osservatore Romano/via REUTERS
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Papa Francisco nesta quinta-feira, em Roma EPA/VATICAN MEDIA

O Papa Francisco voltou esta quinta-feira a deslocar-se a um estabelecimento prisional de Roma para mais uma cerimónia de “lava-pés” a reclusos, numa tradição que ele próprio inaugurou. Quando assumiu o pontificado, em 2013, Francisco gerou escândalo por ter deslocado a cerimónia para fora dos muros do Vaticano, optando por se dirigir até junto dos detidos, e, mais do que isso, por ter alargado o rito às mulheres.

“Numa Igreja machista e misógina, esse gesto gerou algum escândalo, sobretudo por ter incluído as mulheres, uma das quais era muçulmana”, recordou ao PÚBLICO o teólogo Anselmo Borges. O desconforto, entretanto, dissipou-se. Nesta quinta-feira, pela quarta vez, o Papa apresentou-se como “pecador” entre os reclusos, sendo que, entre os 12 escolhidos para o rito de “lava-pés, se inscreviam muçulmanos, budistas e cristãos ortodoxos, além de católicos, de sete diferentes nacionalidades.

“Os que estão ao comando devem servir”, enunciou Francisco, para defender que, no passado, se os ensinamentos de Jesus Cristo tivessem sido entendidos por reis e imperadores “muitas guerras se teriam evitado”.

Independentemente de quem escolha para o “lava-pés”, o gesto de Francisco levar o rito para dentro da cadeia, condensa vários propósitos: além de enfatizar a importância do diálogo entre religiões, “marca o seu pontificado sob o signo da misericórdia e atenção às periferias, indo ao encontro de uma panóplia de gente em dificuldade e numa situação de marginalidade social”, interpreta Anselmo Borges.

Por detrás destas leituras, inscreve-se uma outra que remete, ainda segundo o teólogo, “para um horizonte de compreensão que implicaria uma revisão por parte das sociedades das penas aplicadas a quem comete crimes”. “Ele por diversas vezes disse que a prisão perpétua é uma espécie de condenação à morte”, recorda o teólogo. Ainda em Janeiro do ano passado, na sequência de um incidente ocorrido numa prisão brasileira que levou à morte de 56 reclusos, Francisco pediu que as cadeias sejam efectivamente lugares de reeducação e de reinserção social e garantam que as condições de vida dos seus reclusos são “dignas de seres humanos”.

Em Agosto seguinte, voltou a direccionar o seu olhar para as cadeias ao declarar que a reclusão sem direito a esperança de reintegração na sociedade “não é castigo é tortura”. Em Março deste ano, sem qualquer aviso prévio, passou algumas horas com prisioneiras e respectivos filhos numa cadeia feminina, em Roma, como forma de chamar a atenção para a situação das cerca de 4500 crianças italianas que têm as mães detidas.

Lava-pés também nas cadeias portuguesas

A cerimónia do lava-pés relembra o momento em que Jesus Cristo, num gesto de humildade, lavou os pés dos seus 12 discípulos depois da última ceia, antes de ser preso e, mais tarde, cruxificado. Desde 1955, aquando da reforma da Semana Santa, que as normas alusivas a este rito o circunscreviam aos “homens escolhidos”.

Em 2016, o Papa Francisco oficializou as mudanças que ele próprio introduzira com a sua prática para garantir que o "lava-pés" deixaria de estar limitado a homens e rapazes, fazendo substituir aquela expressão pela “escolhidos entre o povo de Deus” e precisando que o grupo seleccionado para o "lava-pés" pode ser constituído por "homens e mulheres e, convenientemente, jovens e idosos, sãos e doentes, clérigos, consagrados, leigos”. Só assim será possível representar "a variedade e a unidade de cada porção do povo de Deus”, sustentou então.

A cerimónia do "lava-pés" está disseminada um pouco por todo o lado e repete-se na maioria das cadeias portuguesas, segundo adiantou ao PÚBLICO o coordenador nacional da pastoral penitenciária, João Gonçalves.

“É uma celebração com grande profundidade humana”, defende o também capelão do estabelecimento prisional de Aveiro, para acrescentar que, em regra, o capelão de cada uma das cadeias “passa junto de cada um dos presos, descalça-lhes um dos pés, lava-o, enxagua-o com uma toalhinha individualizada e beija-o simbolicamente”.

Desde que aprovadas pela direcção de cada uma das cadeias, as cerimónias pascais podem incluir o compasso pelas celas, tal como nos hospitais se leva a Cruz a beijar aos doentes que o solicitem.

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