O homem que pôs a pop art a esteróides

James Rosenquist (1933-2017), pioneiro da pop art, morreu em Nova Iorque esta sexta-feira. Tudo o que ele sempre quis, dizia, foi pintar quadros misteriosos.

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James Rosenquist fotografado em 2005 frente à sua obra Brazil LUSA/WOLFGANG WEIHS

Pintou telas gigantescas em que, inspirando-se na colagem feita à maneira dos surrealistas, junta fragmentos de imagens de carros, fotografias de explosões cuja leitura é alterada pela cor, esparguete mergulhado em molho, electrodomésticos, aviões, pneus e rostos de estrelas de cinema (entre eles está a inconfundível boca de Marilyn Monroe). James Rosenquist, o artista que, como os seus contemporâneos Andy Warhol e Roy Lichtenstein, ajudou a definir a pop art no início da década de 1960, morreu sexta-feira em Nova Iorque, aos 83 anos (a notícia só foi divulgada no dia seguinte e as causas permanecem por revelar).

Menos conhecido que Warhol e Lichtenstein mas nem por isso menos pioneiro no que à arte diz respeito, Rosenquist desenvolveu uma poderosa linguagem visual baseada, sobretudo, na imagem comercial, que reproduzia e retrabalhava em grande escala, lembra boa parte dos obituários que a imprensa internacional lhe dedica.

Oriundo de uma família humilde apaixonada pela aviação, James Rosenquist cresceu numa pequena comunidade de agricultores escandinavos no Dakota do Norte e no Minnesota nas décadas de 1930 e 40. A inclinação para as artes deve-a muito provavelmente à mãe, pintora amadora que sabia pilotar aviões, e levou-o a fixar-se em Nova Iorque, em 1955, aonde chegou com uma bolsa e 350 dólares na carteira. Começou a passar, então, os dias na Broadway a fazer cartazes de cinema e de teatro, empoleirado em andaimes, e a guardar as noites para trabalhar nas suas próprias obras e para se juntar a outros artistas como Willem de Kooning e Franz Kline na Cedar Tavern, em Greenwich Village, conta na sua autobiografia escrita com David Dalton, Painting Below Zero: Notes on a Life in Art (Alfred A.Knof/Random House, 2009).

“Grande parte da estética do meu trabalho vem do facto de eu ter feito cartazes publicitários”, disse James Rosenquist ao diário The New York Times em 2003, referindo-se à actividade que abandonou em 1960, quando um dos seus colegas morreu ao cair de um andaime. Foi aí que decidiu alugar um estúdio na baixa de Manhattan, onde Robert Indiana, Jasper Jones e Ellsworth Kelly eram seus vizinhos.

Um sobrevivente

Os artistas da pop pegavam em imagens e objectos saídos da cultura popular – bens de consumo generalizados, banda desenhada, publicidade – para rapidamente os transformarem em verdadeiros ícones. Independentemente das particularidades de cada um, escreve o crítico Peter Schjeldahl também em 2003, precisamente a propósito de uma retrospectiva de Rosenquist no Museu Guggenheim de Nova Iorque, “o objectivo era fundir a estética da pintura com a semiótica da realidade contemporânea que inundava os media”.

Nesse texto, agora recuperado pelo diário New York Times, Schjeldahl cria, ele mesmo, uma imagem a que é difícil fugir para se referir à pop art: “A eficácia nua de uma maneira de fazer arte antipessoal define a pop clássica. É como se alguém te convidasse a inspeccionar o punho com que simultaneamente te esmurra.”

Ainda que associado à pop art, Rosenquist sempre manteve uma voz distintiva. “Nunca me preocupei tanto com os logotipos ou as marcas ou as estrelas de cinema como Andy […] e, ao contrário de Roy, não estava interessado na simulação irónica dos meios pop. Eu queria fazer quadros misteriosos”, escreve em Painting Below Zero, livro em que  assume o seu gosto pela pintura tradicional, que preferia aos stencils e às telas de seda que Warhol e Lichtenstein usavam.

Diz o diário espanhol El País, citando esta autobiografia, que, paradoxalmente, o artista sempre rejeitou que se colocasse o rótulo “pop” no movimento de que veio a fazer parte, defendendo que o que unia os artistas que a ele pertenciam era “uma atitude irónica face às banalidades da cultura de consumo norte-americana” – se queriam chamar-lhe alguma coisa, sublinhava, deveria ser “antipop”.

Pouco dado a mensagens políticas explícitas, Rosenquist, autor de obras como Zone, President Elect (é JFK que lá está, ao lado de um Chevrolet amarelo e de uma fatia de bolo), Fahrenheit 1982 e Star Thief, tem naquela que é talvez a mais famosa de todas, F-111 (1965), hoje na colecção do Museum of Modern Art(MoMA), Nova Iorque, um manifesto contra o militarismo americano.

F-111, que vai buscar o seu nome ao caça-bombardeiro, é composta por 23 painéis e, segundo o crítico australiano Robert Hughes, citado este domingo pelo jornal britânico The Guardian, “é um enorme panorama sobre o Vietname”, apontando o público americano como cúmplice da indústria da guerra.

Em 2009, James Rosenquist perdeu muitas das suas obras quando a sua casa na Florida foi consumida por um incêndio, mas não deixou de pintar. Tal como acontecera em 1971, quando um acidente de carro pôs a sua mulher e o seu filho em coma, arranjou maneira de sobreviver. “Eu fui aquele que deu esteróides à pop art”, dizia, resignando-se ao rótulo e, imaginamos nós, por referência à escala em que trabalhava e à amplitude política de uma obra como F-111. “Quando as coisas se tornam peculiares, frustrantes e estranhas, é altura de começar a pintar.”

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