Ligação da antiga CUF à cidade do Barreiro encalha em posto médico

Obra de transformação de velha Rua da União numa avenida larga e moderna implica demolição de antigo posto médico da CUF. Grupo de cidadãos contesta

Maquete do projecto que mostra que zona onde está o quiosque resulta da demolição do antigo edifício do posto médico
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Maquete do projecto que mostra que zona onde está o quiosque resulta da demolição do antigo edifício do posto médico
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Edifício do antigo posto médio que será derrubado
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Edifício do antigo posto médio em ruínas
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A requalificação da Rua da União, uma velha, apertada e emblemática artéria do Barreiro, na fronteira entre os territórios da antiga Companhia União Fabril (CUF) e a cidade, cuja obra está a iniciar-se, entrou numa fase de polémica, com um grupo de cidadãos em luta contra a demolição do posto médico da histórica empresa de Alfredo da Silva.

O projecto de transformação da rua numa avenida moderna prevê a demolição de um quarteirão de edificado velho em que se inclui este edifício que serviu de posto médico e que, para este grupo de cidadãos, faz parte da história do Barreiro e deveria ser preservado.

O imóvel, que funcionou como unidade de saúde desde 1943, não está classificado, mas os seus defensores, que lançaram entretanto uma petição pública, alegam que se trata de património de “características únicas” no país, com valor histórico e imaterial.

“É um edifício histórico porque tem ligação à obra social que Alfredo da Silva promoveu e é uma referência histórica para o Barreiro, dos primeiros sítios onde se fez assistência antes do parto, em Portugal, e onde nasceram milhares de barreirenses”, disse ao PÚBLICO Regina Dinis, arquitecta que, juntamente com António Ferreira, engenheiro, Orlando Santos, Rosa Santos e Ricardo Ferreira, historiador, é impulsionadora da defesa daquele património industrial.  

O prédio em causa ocupa uma área de 700 metros quadrados, em dois pisos construídos em redor de um jardim interior. Naquele espaço, onde hoje estão apenas as paredes e o telhado em derrocada, funcionou uma autêntica policlínica, com bloco operatório, internamento, maternidade, radiologia, pediatria, fisioterapia e até medicina dentária.

Os impulsionadores da petição defendem a manutenção e preservação do edifício mas não contestam o novo projecto urbanístico para a zona. Sugerem que o antigo posto médico seja integrado e valorizado, como um posto museológico.

O projecto de requalificação daquela zona da cidade, em territórios geridos pela Baía do Tejo, empresa do universo Parpública que administra o parque industrial e empresarial existente no local onde existiu a CUF, prevê o investimento de 1,2 milhões de euros na criação de um corredor verde urbano entre o antigo complexo fabril e o centro da cidade.

Os cerca de dois hectares de intervenção da obra incluem, além do reperfilamento da estrada, a construção de espaços verdes, a abertura ao público de espaço históricos actualmente cercados por muros, como a antiga residência de Alfredo da Silva, transformada em Museu Alfredo da Silva, e o antigo posto da GNR, que vai ser requalificado e adaptado a outra função.

“Se a casa de Alfredo da Silva deve ser mantida, como está contemplado e bem, não é menos importante manter o posto médico e criar um pólo museológico em continuidade com o património delimitado entre a Rua da CUF, de Liebig, 9 de Abril e a do Industrial Alfredo da Silva”, sustentam os defensores da causa.

O grupo não pede apenas a preservação do edifício do posto médico, defende também a “manutenção de todo o edificado do lado poente da Rua da CUF de forma a preservar a unidade do tecido urbano industrial daquela rua”. Um quarteirão não abrangido pela obra de requalificação da Rua da União, e que integra vários edifícios com valências sociais do antigo complexo da CUF, designadamente a creche e infantário, a despensa social, o laboratório central, o Refeitório n.º 1, o Refeitório da Messe e a Casa da Cultura.

A iniciativa cidadã pela preservação do antigo posto médico pode ter surgido demasiado tarde. Não apenas por que o edifício está em vias de demolição, tendo a empreitada da obra sido já adjudicada, mas também por que o período de consulta pública foi já largamente ultrapassado.

Isso mesmo tem sido dito ao grupo de cidadãos pelas entidades a quem têm pedido reuniões, como é o caso da Câmara Municipal do Barreiro, com cujo presidente, Carlos Humberto de Carvalho, conversaram já esta semana.

O Plano de Urbanização 2008, que abrange aquela zona, foi objecto de consulta pública em 2010.

A Baía do Tejo alega que a preservação do posto médico não é compatível com o projecto em curso, desde logo por que o local continuaria sem passeios e zonas de circulação pedonais, como está desde sempre e ainda actualmente.

“Para garantir a qualidade do projecto e sua integridade, não foi possível compatibiliza-lo com a manutenção do antigo posto-medico, edifício que não possui nenhuma classificação patrimonial (quer ao nível nacional, quer municipal) tendo por isso sido considerado por todos os intervenientes no processo (Baía do Tejo, Município do Barreiro e projetistas da RISCO) como passível ser demolido, confirmando o que já estava definido pelo Plano de Urbanização.”, refere a empresa em nota escrita enviada ao PÚBLICO.

“Acresce o facto do edifício se encontrar em avançado estado de degradação”, acrescenta a mesma nota em que a Baía do Tejo informa ainda que “realizou a recolha fotográfica de todo o edifício, que permitirá construir o património imaterial do antigo posto-médico, ligado à memória de todos se sentem ligados ao edifício e que será integrada num núcleo específico existente no nosso Museu Industrial”.

 “A Baía do Tejo recebeu este movimento de cidadãos, de imediato, foi explicada a incompatibilidade da manutenção do edifício com o projecto e os membros presentes mostraram compreensão e ficou acordado o trabalho conjunto na preservação da memória imaterial do antigo posto médico, a partir da recolha fotográfica exaustiva que já foi feita, elementos do espólio que ainda seja possível recuperar (portadas, por exemplo), e com depoimentos e documentos que seja possível recolher junto da população”, disse ao PÚBLICO Sérgio Saraiva, administrador da empresa que esteve presente na reunião com o grupo de cidadãos.

A CUF, liderada pelo empresário Alfredo da Silva, foi fundada em 1865, e, no complexo fabril do Barreiro, onde produzia adubos, rações, óleo, azeite, sabão e produtos químicos, chegaram a trabalhar 11 mil pessoas. A empresa foi nacionalizada em 1975 e os terrenos são hoje geridos pela Baía do Tejo.

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