O 2017 que se perspectiva

Embora o clímax da crise pareça estar sempre à porta, vamos vivendo, o melhor que podemos, enquanto ela não chega. O que na realidade é bem melhor do que soa.

A economia portuguesa irá continuar condicionada pela disciplina orçamental imposta por Bruxelas (e Berlim) e pela elevada dívida, com o Governo a procurar apagar os fogos que vão surgindo, sejam eles problemas na banca ou a necessidade de um novo aeroporto para Lisboa.

Na frente orçamental os ventos continuam a correr de feição, mas nada que permita aspirar a voos mais altos. A margem de manobra é estreitíssima. O governo comprometeu-se com um défice de 1,6% do PIB em 2017 (2,4% do PIB em 2016). Como a dívida já atingiu 133% do PIB em 2016, só em despesa com juros as Administrações Públicas deverão pagar 4,5% do PIB. O que significa que, para se atingir o referido défice orçamental, será necessário um saldo primário (antes da despesa com juros) de 2,9% do PIB, uma melhoria de 0,7 pontos percentuais face ao registado em 2016. Os dividendos do Banco de Portugal darão uma preciosa ajuda para esta meta, que se afigura difícil, mas possível.

Contudo, o verdadeiro desafio para o Governo é aproveitar a margem de manobra de que dispõe no curto prazo, porque é impossível manter tal nível de saldo primário durante anos a fio. Nomeadamente, terá de ser definida uma estratégia para o investimento público de forma a que este contribua para o crescimento económico e para a melhoria da sustentabilidade macroeconómica do país. Não basta “encerrar assuntos” de forma mais ou menos satisfatória. Não basta a qualidade, demonstrada, de negociar acordos no limite, internamente e com a União Europeia. É, portanto, necessário muito mais, e quatro anos passam num instante.

No plano internacional, eleições em França e Itália podem levar um líder populista e “anti-europeísta” ao poder nessas economias tão prejudicadas pela moeda única, o que poderia pôr em causa o próprio euro. Os partidos populistas também registarão ganhos nas eleições na Holanda e na Alemanha, devido à crise dos refugiados. Contudo, o cenário mais provável na zona euro continua a ser o “muddle-through”. A situação não está famosa, as economias do Sul não crescem, mas ninguém tem força para alterar o rumo da política europeia, nem muito menos coragem para sair do euro. Entretanto, a zona euro vai registando enormes excedentes externos, maiores do que a China. Todos os países membros, excepto a França, irão registar excedentes externos em 2016. Apesar desses excedentes, o euro desvaloriza-se face ao dólar. A China, também com elevados excedentes externos, continua a desvalorizar a sua moeda, com o objectivo de estimular a sua economia.

Resta os EUA como consumidor (e comprador a crédito) de último recurso. Donald Trump tem um programa económico contraditório. Por um lado, aposta numa expansão através de acentuada redução de impostos e de investimento em infra-estruturas. Por outro lado, defende uma política proteccionista que, se verdadeiramente adoptada, poderia resultar numa enorme recessão na zona euro e na China, que dependem desse mercado.

No Reino Unido, a primeira-ministra Theresa May não parece saber o que fazer com o “Brexit”. Perspectiva-se um “hard ‘Brexit’” e o governo britânico parece paralisado.

Já há muitos anos que se fala e muitos pressentem uma crise (financeira internacional) eminente. Mas como desde 2010 ela não se concretizou, já quase ninguém acredita (ou quer acreditar) na “ameaça do lobo mau”. Embora o clímax da crise pareça estar sempre à porta, vamos vivendo, o melhor que podemos, enquanto a crise não chega… O que na realidade é bem melhor do que soa.

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